Título: Fórum de Pretória prevê acordo em Rodada
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Brasil, p. A8

AP Singh, Mbeki e Lula acham que será possível fechar este ano as questões agrícola e industrial da Rodada Doha A 2ª Reunião de Cúpula do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas), realizada ontem, em Pretória, capital sul-africana, indicou, em comunicado conjunto, que será possível fechar até o fim deste ano as questões agrícola e industrial da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os três países pretendem atuar em bloco nas duas questões, embora a Índia tenha menos interesse na redução das tarifas agrícolas do que os demais.

A importância que estava sendo dada pela comunidade internacional à reunião de ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, pode ser medida pelo telefonema dado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, ao presidente brasileiro. De Johannesburgo, Lula conversou com Bush por quase meia hora e, segundo fontes do governo, manteve um tom incisivo, apesar da cordialidade da conversa.

Diante da cobrança feita por Bush para que o Brasil "avance" sua posição nas negociações, Lula rebateu ser necessário que haja "concessões reais". A cobrança, repetida várias vezes na reunião de ontem, está relacionada à posição americana, considerada excessivamente vaga, sobre a redução dos seus subsídios agrícolas. Lula reclama que os EUA concederam US$ 11 bilhões de subsídios em 2006 e que agora acenam com valor anual entre US$ 16,5 bilhões e US$ 13 bilhões, com tendência para o primeiro número.

Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, se os americanos não se aproximarem dos US$ 13 bilhões, após partirem da proposição inicial de US$ 17 bilhões, não estará havendo concessão para facilitar as negociações. Lula pediu a Bush mais clareza na definição do que os americanos pretendem fazer em relação aos subsídios. Após ouvir as cobranças de Lula, Bush teria dito: "Puxa, você está afiado. Eu estou me sentindo como um 'school boy' (estudante)", teria dito o presidente americano. Respondendo ao afago, Lula disse concordar com a necessidade de que sejam estudadas novas fórmulas para a definição das tarifas para produtos industriais.

Amorim disse que o Brasil e seus parceiros, do Ibas e do G-20 (grupo de países liderado pelo Brasil que centraliza as propostas dos países em desenvolvimento nas negociações), admitem reduzir suas posições em relação aos produtos industriais. "Estávamos partindo de um coeficiente 30. É provável que aceitemos um coeficiente um pouco menor", afirmou. O coeficiente é o resultado de uma fórmula matemática criada pelos delegados suíços na OMC e que foi aceita como a melhor maneira de calcular a redução das tarifas industriais.

A fórmula é feita de tal maneira que, quanto menor o coeficiente, maior a redução tarifária. Americanos e europeus consideram ideal coeficiente em torno de 15, enquanto Mercosul e o G-20 estão na casa dos 30. Segundo Amorim, o coeficiente 30 representa redução da tarifa consolidada entre 58% e 52%. Brasileiros e aliados já deixaram claro que 30 é um número para colocar na mesa de negociações como moeda de troca em relação aos subsídios americanos e às tarifas européias na agricultura.

Analistas, diplomatas e empresários do mundo inteiro concordam que os esforços feitos nas últimas semanas representam a última tentativa de salvar a Rodada Doha. Lideranças de todo o mundo demonstram um empenho que parecia já ter sido abandonado. À medida que avançam as negociações em Genebra, sede da OMC, e que se aproxima o fim do ano, considerado o limite para que se tenha uma definição dos principais pontos, cresce também a temperatura entre as partes, dispostas a valorizar ao máximo suas posições.

Ontem, na abertura da cúpula do Ibas, Lula usou mais uma vez uma figura de retórica forte para marcar posição: "De pouco nos vale sermos convidados para a sobremesa dos poderosos" disse o presidente, ao se referir aos convites que países emergentes como o Brasil recebem para participar de reuniões do G-8, o grupo dos países mais ricos. O presidente Mbeki, da África do Sul, disse que está na hora de esses convidados comerem também o prato principal.

O Ibas, que fará nova reunião de cúpula em 2008, na Índia (a primeira foi no ano passado, em Brasília), é uma das iniciativas dos países em desenvolvimento de ampliarem sua massa crítica. Os três países pretendem que o fórum seja o embrião de um bloco comercial que inclua, na América do Sul, os países que formam o Mercosul, e na África, os países que integram a União da Comunidade Sul Africana (Sacu, na sigla em inglês).

Enquanto esse objetivo mais amplo não chega, o Ibas criou um fundo para bancar projetos sociais em países mais pobres. O Brasil elevou recentemente para US$ 3,5 milhões sua cota neste fundo. O Ibas possui grupos de trabalho voltados para o estreitamento das relações em várias áreas.

O primeiro-ministro indiano reclamou da "falta de convicção" que estaria tornando lento os avanços desses grupos. Ainda assim, a Cúpula de Pretória terminou divulgando documento com 52 pontos, entre proposições, recomendações e intenções, que vão desde questões da OMC até o propósito conjunto de trabalharem pela eliminação completa dos arsenais nucleares, embora a Índia seja um dos poucos países do mundo detentores de bombas atômicas.