Título: Condições impróprias para um fundo soberano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2007, Opinião, p. A14

É extemporânea a idéia da criação de um fundo soberano, como sugere o ministro da Fazenda, Guido Mantega, principalmente agora que os mercados internacionais estão em fase de intensa aversão ao risco e são grandes as dúvidas sobre qual será o comportamento da economia americana no rastro da crise dos 'subprime' e, por conseqüência, da economia mundial nos próximos meses. Há notícia de que a busca de um instrumento dessa natureza, com recursos das reservas cambiais ou captações do Tesouro Nacional no mercado externo, é uma decisão política já tomada pelo presidente Lula e aguarda-se apenas um bom momento para anunciá-la, com as definições de como seriam as captações e quais as aplicações do fundo soberano brasileiro.

Pelo que já foi dito por Mantega, a opção não será pelo uso de excedentes das reservas cambiais acima dos US$ 180 bilhões, valor suficiente para quase zerar a dívida externa pública e privada do país. Ele prefere que o capital desse fundo seja representado por emissão de títulos do Tesouro no mercado financeiro internacional, razão pela qual o governo tende a esperar para dar início a esse plano só depois que o país for elevado a "grau de investimento" pelas agências de rating, quando os custos de captação serão mais baixos; e que os dólares obtidos com essas operações sejam usados para a compra de ativos de empresas brasileiras ou estrangeiras no exterior. Um exemplo de operação seria o Tesouro comprar títulos do BNDES emitidos fora do país e o banco, com tais recursos, financiar a expansão de empresas nacionais que pretendem se internacionalizar ou, ainda, financiar projetos de infra-estrutura na América Latina.

Não há clareza, ainda, sobre o formato do fundo soberano, mas dificilmente haverá uma maneira de criá-lo sem que isso tenha implicações fiscais. A experiência dos arranjos já existentes no mundo indica que esses são fundos de natureza fiscal e, em geral, criados por governos que têm excedentes, na forma de superávits nominais. Não é o caso do Brasil, que carrega um déficit nominal de 2,29% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do acumulado de doze meses até setembro.

Em artigo publicado no Valor (22 de novembro), o economista Claudio Haddad chama a atenção para alguns riscos relevantes de uma experiência dessa natureza no país e lembra que, ao contrário dos anos passados, hoje as boas empresas brasileiras podem buscar financiamentos nos mercados de capitais doméstico ou externo em ótimas condições e não precisam recorrer a fundos como o idealizado pelo governo. Este, ao se acasalar com uma política industrial, sublinha Haddad, "só tende a gerar comportamentos nocivos de busca de privilégios e desperdício, uma vez que o sistema de incentivos conspira contra a boa alocação de recursos por parte do burocrata administrador do fundo a ser criado". Além de ser esta uma forma de aumentar o gasto público passando ao largo das restrições fiscais.

Mais oportuno, agora, seria o governo aproveitar o bom momento da economia brasileira para retomar a idéia de uma política fiscal anticíclica, que significa poupar mais nos tempos da prosperidade para ter um colchão de recursos nos momentos de maior penúria da economia. Esse é um tema que chegou a ser considerado por Mantega quando era ministro do Planejamento, no primeiro mandato do governo Lula, mas foi totalmente abandonado. Técnicos do Ministério da Fazenda chegaram a propor algo nessa direção, através da adoção de metas nominais para o gasto público, desvinculando os grandes blocos de gastos (despesas com educação, saúde e folha de pagamento do funcionalismo) da variação do PIB e da receita corrente. O governo estabeleceria como meta de gasto corrente uma cifra fixa, em valores absolutos, que poderia ser superior ao valor gasto no ano anterior, mas inferior à variação do PIB. Assim, com o gasto crescendo abaixo da variação do produto, o superávit primário seria naturalmente mais robusto. Nos ciclos de desaceleração da economia, ocorreria o processo inverso.

Quando o PIB cresce a uma taxa estimada para o ano entre 4,5% e 5%, e a arrecadação de impostos aumenta 12% em termos reais, seria adequado voltar ao assunto.