Título: União já prevê déficit em contas externas
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2007, Brasil, p. A3

Ruy Baron/Valor Nelson Barbosa, secretário de Acompanhamento Econômico: não é dramático para um país ter déficit em um ano O governo já conta com equilíbrio ou mesmo pequeno déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos em 2008 (resultado da balança comercial menos a balança de serviços). Os dados sobre as contas externas até setembro, divulgados pelo Banco Central, revelam essa que é uma mudança estrutural em relação ao que vinha ocorrendo desde 2003.

Depois de amargar déficits importantes na conta corrente por vários anos, chegando a 4,32% do PIB em 1999, o país fez um ajuste externo de padrão asiático e passou a acumular superávits, numa brutal redução da vulnerabilidade externa. Em 2005, o balanço de pagamentos do país registrou saldo equivalente a 1,58% do PIB, o que representou US$ 13,98 bilhões. De lá para cá, os indicadores têm sido decrescentes, embora não de forma sistemática, e, em 12 meses, até setembro, o saldo caiu para 0,75% do PIB. O BC prevê desempenho negativo em outubro e economistas do governo já dão como encerrada a fase de produção de superávits robustos nas contas externas.

Isso ocorre, sobretudo, por causa da redução do superávit da balança comercial. Em 2006, as transações correntes tiveram um superávit de US$ 13,6 bilhões. No período de 12 meses até setembro último, o saldo caiu para US$ 9 bilhões. Uma deterioração, portanto, de US$ 4,6 bilhões.

Essa queda é explicada fundamentalmente pela redução de US$ 3,3 bilhões no superávit comercial no período. Houve também, segundo dados do BC, um déficit de cerca de US$ 800 milhões nos gastos com cartão de crédito (brasileiros gastaram em moeda estrangeira mais do que estrangeiros gastaram no país). Apenas uma parcela de US$ 500 milhões (da redução total do saldo em transações correntes) é atribuída ao aumento de gastos com fretes e remessas de lucros e dividendos, entre outros itens menos relevantes. A valorização da taxa de câmbio e o aquecimento da economia doméstica são as principais explicações para essa mudança estrutural, que ocorre nas contas externas, que não é algo necessariamente ruim.

O problema, na visão do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, é as exportações crescerem muito aquém do aumento das importações ao longo do tempo. Ou seja, não é dramático um país ter déficits em transações correntes num ano, equilíbrio ou superávit no outro. O que não é razoável é um descompasso entre o comportamento das exportações e das importações por tempo indeterminado. Uma dúvida que alimenta os economistas do governo é se a convergência entre compras e vendas internacionais será obtida de forma suave ou se pode gerar momentos de "stress" no futuro.

Nesse aspecto, é importante notar que os investimentos estrangeiros diretos estão se dirigindo principalmente para o aumento da capacidade produtiva do país. O Brasil vive um surto de investimentos diretos, que atingiram US$ 34,9 bilhões em 12 meses até setembro. Isso revela maior internacionalização da economia e deve se reverter em maior produtividade e competitividade dos bens comercializáveis. Esses investimentos, quando entram no país, aliviam as contas externas, mas geram rendas supostamente perpétuas para o exterior, na forma de remessas de lucros, dividendos e juros. O país tem que gerar receitas com exportações para financiar essas remessas.

A deterioração das contas externas vista pela redução do saldo em transações correntes é prevista pelo BC, que estima em US$ 3,2 bilhões o superávit em 2008. O saldo da conta comercial cairia para a casa dos US$ 34 bilhões mas, somado às transferências unilaterais (de brasileiros que vivem no exterior) de US$ 4,5 bilhões, é suficiente para cobrir o déficit esperado na conta de serviços e rendas, de US$ 35,3 bilhões. A mediana das expectativas do mercado é de superávit de US$ 35 bilhões na balança comercial em 2008, mas vários bancos têm revisado para baixo essa conta, que dependerá do comportamento da demanda interna no ano que vem, da taxa de câmbio e do crescimento da economia mundial.