Título: Muita tecnologia, pouca informação
Autor: Moreira, Talita; Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Tecnologia & Telecomunicações, p. B3

"A Cisco?! Mas como isso é possível?" A frase pode variar um pouco, mas reflete bem a surpresa com que o setor de tecnologia da informação (TI) - incluindo executivos, analistas, consultores e jornalistas - recebeu a revelação de que a companhia, a maior do mundo no fornecimento de infra-estrutura de redes, está envolvida em uma fraude estimada em R$ 1,5 bilhão, pela Receita Federal.

Na prática, o que todos perguntam é: como uma companhia que vendeu quase US$ 35 bilhões no ano passado, com ganhos mundiais de US$ 7,3 bilhões; um grupo que controla a 18ª marca mais valiosa do mundo; como uma empresa como essa, que deveria manter o mais alto grau de controle financeiro, pode fazer isso? E o que é pior: se a Cisco foi capaz de se meter em uma encrenca dessas proporções, outras companhias, de porte e relevância semelhantes, não estariam sujeitas ao mesmo tipo de tentação e queda? Quantos outros escândalos estão por vir, no setor de TI ou fora dele?

Fraudes sempre existiram, mas no momento em que leis americanas como a Sarbanes-Oxley e outras que a precederam prometem uma proteção razoavelmente segura contra os crimes de colarinho branco, o episódio da Cisco soa como heresia por que reforça uma incerteza: os novos controles seriam, afinal, tão eficientes como pareciam a princípio?

As grandes empresas sempre expuseram como virtude sua atuação global: em tese, quanto maior o número de países com escritórios próprios ou fábricas, mais sólido é o negócio. O problema é que se nesses países o procedimento não for tão rígido quanto é nas matrizes, essa vantagem competitiva pode rapidamente se converter em deficiência, mesmo que clientes e consumidores não percebam isso imediatamente.

Na prática, o que se opera é um jogo de espelhos. Como as companhias americanas que negociam ações em bolsa são obrigadas a seguir um rígido conjunto de regras, com um papel relevante reservado às auditorias especializadas, imagina-se que fora dos EUA seja assim também. Nem sempre é. Se fosse, seria de esperar que alguém - um auditor interno ou externo - já tivesse percebido algo errado há muito tempo: a fraude, diz a Polícia Federal, começou há cinco anos.

A nota divulgada ontem pela Cisco, nos EUA, piora a situação ao reforçar que os negócios no país representam apenas 1% da receita global. A impressão que dá, mesmo que não seja essa a intenção, é de que o caso é pouco relevante, já que as vendas são pequenas.

Uma observação importante é que no Brasil a maioria das subsidiárias funciona como companhia limitada, em vez de sociedade anônima. Elas não precisam divulgar seus balanços financeiros, embora costumem revelar o crescimento em números percentuais. Analistas e repórteres detestam a situação, já que a ausência de um balanço auditado compromete a transparência e aumenta o risco de dar uma informação errada. Empresas brasileiras que divulgam os dados também reclamam, porque consideram o tratamento desigual.

Isso não significa que os executivos das multinacionais estejam sempre mentindo ao anunciar um desempenho impressionante - como, aliás, o da Cisco no Brasil -, sem detalhar os números. Espera-se que isso seja exceção e não regra. Infelizmente, porém, o escândalo coloca a todos sob uma aura de desconfiança, digam ou não a verdade.