Título: Escândalo da Cisco deve elevar preço de produtos
Autor: Moreira, Talita; Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Tecnologia & Telecomunicações, p. B3
O aumento nos preços e o atraso na entrega dos equipamentos deverão ser os efeitos mais imediatos, no mercado brasileiro, do escândalo envolvendo a Cisco.
Operadoras de telefonia e clientes empresariais passaram o dia de ontem tentando obter informações e calcular prejuízos, mas já davam como certo que os produtos para redes de comunicações ficarão mais caros.
Todas as grandes operadoras de telecomunicações aguardam produtos que já haviam encomendado da Cisco. Mas, em geral, as compras não foram feitas por meio da subsidiária brasileira. Por ser complexos, os projetos das teles costumam envolver diversos fornecedores (para produtos diferentes) e um deles centraliza a sua execução. Em razão disso, as empresas ainda não sabiam estimar o impacto da crise em seus negócios.
Mas o clima era de preocupação. Uma concessionária de telefonia fixa tentava, ontem, agendar uma reunião com seus principais fornecedores para saber quão prejudicadas ficarão as entregas de equipamentos.
Amos Genish, presidente da GVT, afirmou que a operadora tem roteadores a receber da Cisco. De acordo com ele, no entanto, os produtos foram importados diretamente dos Estados Unidos - e não comprados dos distribuidores brasileiros. "Conversamos com o canal de vendas e nos garantiram que está tudo certo com as entregas, mas estamos preocupados com a situação", disse o executivo.
O temor das empresas vai além do risco de atrasos e falta de produtos. Também pairam dúvidas sobre o que vai acontecer com o pós-vendas (suporte técnico e manutenção) da Cisco daqui para a frente - e isso vai depender do tamanho da crise.
O escândalo pegou o mercado brasileiro num momento delicado. Os fornecedores de equipamentos para redes de telecomunicações têm se queixado da falta de encomendas das operadoras. Um dos poucos segmentos em expansão é o de infra-estrutura para internet em banda larga, foco de grande parte dos investimentos das teles neste ano. E é justamente aí que a Cisco tem mais força. A maior parte da rede mundial de computadores foi construída com sua tecnologia.
Segundo consultores de telecomunicações ouvidos pelo Valor, um tipo de produto que pode faltar são os chamados roteadores, usados para distribuir o tráfego de dados pela rede.
A Cisco, estimam os analistas, detém cerca de 80% do mercado de equipamentos de internet no país. Com a paralisação dos negócios da companhia, os analistas acreditam que o valor dos equipamentos deva subir em torno de 20%.
Segundo uma fonte próxima à Mude, distribuidora da Cisco suspeita de participar do esquema, a concorrência no mercado nacional ficou mais acirrada com a chegada dos fornecedores chineses, que passaram a oferecer produtos mais baratos. Hoje um dos maiores concorrentes da empresa no país é a chinesa Huawei. Um comprador da Cisco, no entanto, se diz surpreso com relação à sonegação de impostos para reduzir o preço dos produtos da Cisco, pois muitas vezes os equipamentos da companhia americana saíam mais caros que os dos rivais.
Até sábado, o presidente da Cisco no Brasil, Pedro Ripper, ficará detido na Polícia Federal para prestar esclarecimentos. Com ele estão Carlos Carnevali, vice-presidente da companhia para a América Latina, e os principais executivos da distribuidora Mude, Hélio Pedreira, Moacir Sampaio e Fernando Machado Grecco. Na internet, o site da Mude está fora do ar desde anteontem, quando a Polícia Federal levou computadores e servidores do escritório da empresa, em Alphaville (SP).
Rafael Steinhauser, que até outubro do ano passado respondia pela subsidiária da Cisco, está na Argentina. Por telefone, o executivo informou que em nenhum momento foi procurado pelos investigadores do caso. "Não tenho o que falar sobre a Cisco", comentou. "Seria muito indelicado da minha parte. Quem tem que falar sobre a empresa são os seus atuais diretores."
Steinhauser, que atualmente cuida dos negócios da empresa NextWave Wireless na América Latina, disse que está em viagem de trabalho e que voltará para São Paulo na próxima semana, antes de partir para negócios na Europa.
Na terça-feira, a Polícia Federal deflagrou a Operação Persona, que desarticulou um esquema de sonegação fiscal, cujo rombo pode chegar a R$ 1,5 bilhão. A Cisco é acusada de fazer parte da criação de uma cadeia de empresas de fachada, envolvendo a multinacional, sua filial brasileira e a distribuidora Mude. A operação, que envolvia empresas com sede em paraísos fiscais, permitia que a mercadoria saísse dos Estados Unidos com preços até 70% menores, pagando menos imposto de importação, além de sonegar tributos estaduais.
Além dos diretores da Cisco no Brasil, cinco executivos da multinacional estão sob investigação da polícia americana. A ação da PF já levou à prisão de 44 pessoas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Entre os detidos estão seis auditores fiscais da Super Receita. As buscas também resultaram na apreensão de US$ 290 mil e R$ 240 mil em espécie, um jato comercial, 18 veículos e US$ 10 milhões em mercadorias.