Título: Fazenda confirma criação de fundo para gerir recursos
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Finanças, p. C4

Seguindo os passos de outros países emergentes, o Brasil criará um Fundo de Riqueza Soberana (SWF, na sigla em inglês) para fazer investimentos no exterior. A informação, antecipada na edição de ontem do Valor, foi confirmada pelo Banco Central e pela assessoria de imprensa do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O fundo será criado, segundo a assessoria da Fazenda, depois da ocorrência de dois eventos: a concessão ao país, pelas agências de classificação de risco, do grau de investimento (de baixo risco), medida que permitirá ao Brasil captar recursos lá fora pagando juros menores que os atuais; e quando as reservas cambiais atingirem o patamar de US$ 180 bilhões - hoje, estão em torno de US$ 162 bilhões.

O governo acredita que o Brasil deverá alcançar o grau de investimento em meados do próximo ano. Quanto às reservas, o Banco Central continuará o processo de acumulação iniciado em janeiro de 2004. Segundo a assessoria de Mantega, embora a previsão seja lançar o fundo provavelmente na segunda metade do próximo ano, o ministro deve anunciar, em 30 dias, como ele funcionará.

Uma fonte informou ontem ao Valor que o fundo soberano brasileiro será diferente dos fundos criados, por exemplo, pela China e a Coréia. Na China, o governo decidiu utilizar parte de suas reservas cambiais - US$ 500 bilhões - para compor três fundos soberanos. No Brasil, o governo não utilizará dinheiro das reservas cambiais.

"O fundo não se confunde com as reservas, que são um seguro que o país tem contra crises", explicou a fonte. Se o governo usasse as reservas para compor o fundo, observou outra fonte, estaria desobedecendo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o Banco Central de financiar o Tesouro. "As reservas continuarão sendo aplicadas pelo Banco Central de forma conservadora, em títulos soberanos de baixíssimo risco e alto grau de liquidez."

Ainda não está definido como será criado o fundo soberano brasileiro, mas a tendência é que o Tesouro Nacional capte recursos no mercado internacional para integralizá-lo. Como se espera que, até a criação do fundo, o país já esteja classificado como "grau de investimento", o custo de captação será reduzido. O fundo soberano, então, aplicará os recursos em ativos financeiros no exterior, com rentabilidade superior à de captação.

Há outra distinção importante entre o fundo brasileiro e outros SWFs. Aqui, o governo não usará os recursos para fazer investimento direto (no setor produtivo) ou comprar participações acionárias de empresas estrangeiras, como vêm fazendo os fundos soberanos da China e de outros países.

Com essa decisão, o Brasil se livra, de imediato, da polêmica envolvendo os fundos soberanos que estão comprando o controle acionário de companhias e bancos importantes nas economias avançadas. Um fundo da China e outro de Cingapura, por exemplo, adquiriram, em julho, 5,2% do capital do banco britânico Barclays, ganhando uma vaga no conselho de administração da instituição e causando espanto no mundo desenvolvido.

O tema tem sido debatido nos principais fóruns econômicos do planeta e será discutido, no fim de semana, na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI). Liderados pelos Estados Unidos, os países ricos querem que o Fundo estabeleça regras para o funcionamento dos fundos soberanos.

"O fundo soberano do Brasil vai investir em ativos estratégicos, financeiros, de interesse do governo, mas não vai comprar o controle acionário de empresas estrangeiras", assegurou uma fonte. A assessoria do ministro Guido Mantega informou que o SWF brasileiro deverá comprar, por exemplo, debêntures emitidas por empresas. "A idéia é investir em instrumentos financeiros, de maior risco e rentabilidade e sem a liquidez dos investimentos feitos hoje com as reservas internacionais", explicou uma fonte.

Há outro detalhe importante na constituição do fundo soberano brasileiro. Como será um mecanismo de investimento meramente financeiro, ele não impactará o resultado primário (que não considera os gastos com os juros da dívida) das contas públicas.

A criação do fundo soberano vinha sendo mantida em segredo no governo há pelo menos dois meses. Apenas quatro pessoas conheciam o projeto: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.