Título: Scaramuzzo , Mônica ; Valent , Graziella
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2007, Agronegócios, p. B14

Sob os holofotes do mercado internacional, as usinas de álcool do Brasil viveram nos últimos dois anos um boom de investimentos em novos projetos, respaldados pela disponibilidade de crédito de diversos agentes financeiros. Esse cenário começou a mudar nos últimos meses, sobretudo após a crise imobiliária dos EUA, que provocou forte turbulência nos mercados.

Além dos fatores macroeconômicos, a crise de preços pela qual o setor sucroalcooleiro passa também tem sido um fator limitante para a liberação de crédito, afirmam alguns analistas ouvidos pelo Valor. Assim como para outros setores da economia, a torneira também está secando para o setor sucroalcooleiro.

O grupo Unialco, de Araçatuba (SP), que planejava vender US$ 150 milhões em bônus no exterior, teve de suspender a operação no início do mês. A transação seria coordenada pelo ABN Amro. Os papéis, de prazo de vencimento em dez anos, pagariam juros de 10% ao ano. Mas, um movimento de aversão ao risco ampliou a volatilidade no mercado de títulos do Tesouro americano e aumentou o prêmio de risco-Brasil, tornando mais difícil a definição do preço dos títulos da empresa. Os juros também aumentaram, uma vez que se tratava de um grupo estreante nesse tipo de operação. Procurada, a Unialco não retornou as ligações.

Os fundos de private equity, que nos últimos meses sondam investimentos no setor, também começam a ficar mais criteriosos. "Os fundos continuam interessados. Há muita oferta de projetos novos neste setor. Mas o crivo é maior", diz Marcelo Moraes, executivo do gestor de recursos americano Darby.

Analistas afirmam que o mercado para os tomadores de investimentos está mais restrito. As transações interbancárias estão sem precificação.

Alexandre Rezende, responsável pela área de corporate e banco de investimento do ING, lembra que o mercado está mais cauteloso em todos os sentidos.

O setor de etanol sofre com a crise de liquidez por se tratar de um novo negócio. O aumento da seletividade do investidor é generalizado, segundo especialistas, mas esse segmento reuniu um conjunto de fatores desfavoráveis. O mais grave e que está prejudicando fortemente o acesso a crédito bancário é o baixo preço da commodity. O desempenho ruim afetou negativamente os balanços das empresas desse setor e, portanto, o risco de crédito do negócio.

A performance das ações dos grupos do setor que operam na Bovespa - Cosan, São Martinho e Açúcar Guarani (Tereos) - também é negativa. Diante desse cenário, ficou difícil para as companhias que querem ofertar ações no segundo semestre conseguirem seu espaço, caso do grupo francês LDC Bioenergia que está na fila da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e aguarda o melhor momento para lançar seus papéis.

Além disso, o horizonte para o mercado internacional de etanol está nebuloso, diz outro especialista. Embora no Brasil o mercado interno de álcool seja promissor e com demanda crescente, na União Européia há uma grande preocupação com a concorrência que os biocombustíveis, em geral, representam para a produção global de alimentos. Já se fala que, tanto o etanol como o biodiesel, não estariam mais entre os "queridinhos" dos investimentos sustentáveis.

De um lado, a demanda imediata não saiu do papel e há uma superoferta do produto. Do outro, começam a aumentar as preocupações de que tecnologias limpas alternativas, como células de hidrogênio e energia solar, se desenvolvam mais rapidamente, ocupando o mercado que antes era estimado para etanol e outros biocombustíveis.

No Brasil e nos Estados Unidos, boa parte dos projetos de novas usinas de álcool foi engavetado, na expectativa de que o cenário de preços volte a se recuperar.