Título: Perplexidade domina debate sobre fidelidade
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2007, Política, p. A13

Lula Marques/Folha Imagem - 19/7/2005 Malheiros: "Desobedecer diretriz partidária como motivo para expulsão é coisa de perseguição odiosa, de ditadura" O meio jurídico ainda não venceu a perplexidade com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fidelidade partidária. Reunidos na noite da última segunda-feira em São Paulo, 34 advogados integrantes do Instituto de Direito Político e Eleitoral discutiram a decisão do Tribunal que determinou que o mandato proporcional pertence ao partido, e não ao parlamentar eleito, e sequer mencionaram o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que estende a norma para as eleições majoritárias. Depois de duas horas de discussão, oito perguntas ficaram sem resposta e um prognóstico foi feito para as decisões futuras do Judiciário.

"Não será surpresa se novas causas de perda de mandato forem estabelecidas, além da fidelidade partidária. Podemos ter novidade em relação à perda de mandato de políticos acusados, mas sem condenação transitada em julgado", previu o advogado Ricardo Penteado, que trabalha para o PSDB paulista e nacional desde 1994.

As dúvidas devem ser esclarecidas com a resolução que o STF deve baixar ainda esta semana para sistematizar quais as condições existentes para que um deputado federal, estadual ou vereador perca o mandato. Os ministros do Tribunal já adiantaram que o parlamentar atingido terá direito à defesa e que a perda de mandato terá que ter a chancela do Judiciário. O resto são pontos de interrogação.

Uma das questões sem resposta levantadas ontem é a situação do suplente expulso. Pelo entendimento dos advogados, um parlamentar no exercício do mandato que seja expulso de seu partido político poderá recorrer à Justiça Eleitoral. "Mas aonde se defenderá um suplente expulso, se ele não está no exercício do mandato?", indagou P enteado.

Organizadora da reunião, a advogada Fatima Nieto perguntou, diante do silêncio dos presentes. "E de quem será a legitimidade para reivindicar um mandato parlamentar? Apenas do partido político? O suplente não poderá fazer a reivindicação? E o Ministério Público, em nome do eleitorado, não poderá reivindicar a cassação?". A princípio, pela decisão do STF, cabe ao partido pedir ou não a cassação do mandato de um parlamentar que deixou a sigla.

A questão sucessória na hipótese da perda de mandato também preocupou Fátima Nieto. "Os candidatos se inscrevem em partidos, mas obrigatoriamente se elegem em coligações. Há casos de coligações com quinze partidos. No caso de cassação, quem assume é o primeiro suplente filiado à sigla ou o primeiro suplente da coligação?", perguntou.

"Quando um parlamentar for cassado, isto não poderá abrir margens para que se questione o coeficiente eleitoral que determinou a divisão das vagas?", emendou Penteado com outra pergunta. O exemplo de Clodovil Hernandez foi lembrado. Eleito com mais de 500 mil votos pelo PTC, o deputado federal foi para o PR e está sujeito à perda de mandato. Mas seu suplente teve cerca de seis mil votos. "É razoável pensar que este mandato pertence ao PTC, e não ao Clodovil?", indagou o advogado Marcelo Lamy.

O alcance da nova regra no âmbito estadual e municipal também preocupou advogados. "Pode perder o mandato o parlamentar que é expulso por não seguir uma diretriz partidária. Mas qual diretriz partidária segue um vereador? Ele seria expulso por uma decisão de âmbito municipal, como não apoiar o prefeito, por exemplo?", perguntou o advogado Ricardo Porto. "E quem o julgaria? O TSE? Como o TSE poderia julgar quem ele não diplomou?", indagou Penteado, devolvendo a palavra a Porto que voltou a questionar: "a fidelidade partidária não exigiria a volta da candidatura nata? Porque, em caso contrário, ao negar a candidatura a um parlamentar o partido, na prática, estaria interrompendo sua carreira política". Antes da atual lei eleitoral, parlamentares tinham direito a se recandidatar independente de decisão partidária.

Mais experiente entre os presentes, o advogado Arnaldo Malheiros interveio neste momento para sugerir uma posição em bloco. "Estabelecer parâmetros, limites, para que um alguém perca o mandato em razão de expulsão parlamentar é uma função nossa", disse. Segundo Malheiros, "desobedecer diretriz partidária como motivo para expulsão é coisa de ditadura. Você tem que ser fiel ao programa do partido e à ideologia, e não existe ideologia municipal ou estadual. Se diretriz partidária for motivo de expulsão, estaremos em um quadro de perseguição odiosa", afirmou Malheiros.

O inconformismo com a decisão do STF era grande. "Bobagem", "aberração completa" e "caixa de pandora aberta" foram algumas expressões dos presentes. Um deles, misturando humor e indignação, afirmou que já conhecia os três princípios que regem a Justiça Eleitoral: "O da pegadinha, o da rasteira e o da surpresinha", disse, entre risos.