Título: ISO 26000 vai ter caráter abrangente
Autor: Maturo, Jussara
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Previdência Privada, p. F3

Thais Parolin / Valor Jorge Cajazeira: "80% da conta da ISO são pagos pelos países em desenvolvimento porque o voto é um para um" Em novembro, entre os dias 3 e 9 em Viena (Áustria), vai acontecer a próxima reunião do grupo de trabalho criado para elaborar a ISO 26000, norma internacional sobre responsabilidade social, a mais abrangente e polêmica de que se tem notícia nos 60 anos da ISO, a organização responsável por estabelecer padrões internacionais, quase sempre técnicos. Pelo cronograma da entidade, o guia de diretrizes sobre responsabilidade social será publicado em novembro de 2009.

É a primeira vez que a ISO deixa o campo técnico. "É uma evolução", afirma Cláudio Guerreiro, coordenador de relação ISO da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que representa o Brasil na entidade internacional desde a fundação. "A ISO evoluiu com as normas de qualidade, depois com meio ambiente e, agora, começa a tratar de outros assuntos mais abrangentes", observa o coordenador.

Esse não é, contudo, o único aspecto inédito que cerca a iniciativa. Para avaliar se seria viável elaborar uma norma com relevância global sobre o assunto, a ISO instituiu, em 2002, um grupo com a tarefa de verificar, entre os países membros, aqueles com ações de responsabilidade social corporativa, projetos em curso e resultados. Em meados de 2004, a entidade decidiu que iria preparar um guia de diretrizes, cujas recomendações se aplicariam a organizações de todos os tipos e portes - de governamentais a comerciais, incluindo outras entidades representativas como sindicatos e defesa dos consumidores, além de ongs - e não apenas ao setor corporativo como em geral prevalece com as demais normas. A minuta da norma em fase de elaboração explica a decisão: "toda organização tem um impacto na sociedade e no meio ambiente".

"Essa composição alterou o equilíbrio de forças na ISO", constata Jorge Cajazeira, o primeiro brasileiro a coordenar um grupo de trabalho dentro da organização. Para acrescentar em seguida: "É um sinal de que os tempos mudaram". Geralmente, a condução dos trabalhos é entregue a um representante dos países desenvolvidos. "Neste caso, a ISO criou um sistema de parceria que juntasse representantes de países ricos e em desenvolvimento", conta Guerreiro. O Brasil compôs, então, aliança com a Suécia, representada pelo SIS (Swedish Standards Institute) e lançou candidatura. A dobradinha venceu.

Segundo Cajazeira, a vitória tem sabor especial porque representa um marco, sendo simbólico até pelo assunto tratado. "Em 2006, a ISO tinha 2.692 posições de liderança na mão de países ricos, ou seja, 94,45% das lideranças. Por outro lado, 80% da conta da ISO são pagos pelos países em desenvolvimento porque o voto é um para um."

Para João Gilberto Azevedo, gerente de apoio e aprofundamento do Instituto Ethos, a decisão revela coerência. "O engajamento de multistakeholders é um dos pressupostos da responsabilidade social", diz. O processo de elaboração da norma envolve representantes de 75 países de seis segmentos diferentes da sociedade (consumidores; governo; indústria; empregados; ongs; serviço, suporte, pesquisa e outros), com interesses e perspectivas diversos, sem contar os seis observadores que podem acompanhar os trabalhos. "A ISO não tinha essa experiência, porque as normas tinham caráter técnico", valoriza Azevedo.

Outro aspecto considerado inovador na ISO 26000 é de concepção. Não se trata de norma certificadora (como a ISO 9000, de qualidade, ou a ISO 14001, de meio ambiente), nem de um sistema de gestão ou de performance. "É um guia de diretrizes e de orientações sobre responsabilidade social", resume Guerreiro, da ABNT. E como toda norma ISO é de adesão voluntária.

Na avaliação de Aron Belinky, secretário executivo do Grupo de Articulação das Ongs Brasileiras, que representa 90 entidades, a publicação da ISO 26000 trará três grandes contribuições. "Uma delas é a definição de expectativas e de conceitos que, hoje, causam muita confusão. As pessoas chamam de responsabilidade social um monte de coisas diferentes, como ações puramente assistencialistas", destaca.

Ao benefício da própria definição do que seja responsabilidade social, ele soma a orientação que ajudará as organizações a definir de maneira mais consistente o que pode ser feito. "Além de dar mais clareza de como deve fazer, a ISO 26000 é legitimada pela sociedade mundialmente", afirma. A terceira contribuição, diz, é no sentido de respaldar as cobranças e demandas da sociedade civil. "Assim como a 26000 vai ter uma agenda que facilita a vida das empresas privadas ou públicas, vai facilitar também para quem quer cobrar uma atuação diferente dessas mesmas organizações", avalia Belinky.