Título: Flex está montada, mas sem prazo para voar
Autor: Campassi, Roberta
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2007, Empresas, p. B2

Mais de dois anos após a Varig ter entrado em recuperação judicial, suas duas "filhas" estão mudando. Ontem, a VRG, ou "nova Varig", controlada pela Gol Linhas Aéreas, apresentou oficialmente sua nova logomarca. Hoje, a Nordeste, conhecida também como "velha Varig" e em processo de recuperação judicial, expõe ao mercado a marca com que pretende retomar as operações aéreas. A VRG ainda esbarra em baixas taxas de ocupação em seus vôos, no entanto faz parte do segundo maior grupo de aviação brasileiro. A Nordeste já está estruturada como companhia aérea e dela depende o sucesso da recuperação, mas lhe falta capital para voar.

"A partir de hoje, a Nordeste é a Flex", diz Miguel Dau, o gestor judicial da empresa, referindo-se ao nome fantasia adotado. A companhia está em vias de assinar o contrato para alugar o primeiro Boeing 737-300 (de sete previstos), iniciou o processo de seleção para 40 tripulantes, definiu a primeira rota regular - Rio de Janeiro-Salvador-Recife - e já tem boa parte das autorizações junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Os departamentos administrativos também estão montados e existe até uma sala de crise na sede da empresa. Atualmente, a Nordeste tem 290 funcionários divididos entre atividades operacionais e aquelas ligadas à recuperação judicial. A marca Flex será apresentada durante a feira de turismo Abav, que começa hoje no Rio.

"Está tudo pronto, mas até o fim do ano não voaremos, por falta de caixa", afirma Dau. Há alguns meses, o executivo havia dito que a retomada dos vôos estava prevista para outubro. "Enquanto não iniciarmos as linhas regulares, vamos buscar as operadoras de viagens para fazer vôos charters."

Dau afirma que contava com recursos provenientes de pagamentos por parte da VarigLog para financiar as operações. A VarigLog era uma subsidiária da Varig que, no processo de recuperação judicial, foi desmembrada e vendida. Em meados de 2006, ela adquiriu a parcela operacional da própria Varig, nomeada VRG - depois vendida à Gol. Segundo Dau, a Nordeste cobra da VarigLog perto de R$ 100 milhões. Destes, R$ 38 milhões referem-se ao período em que a VarigLog utilizava os porões dos aviões da Varig para transportar carga. A cobrança está na Justiça e corre em segunda instância. Outros R$ 60 milhões, aproximadamente, seriam referentes a gastos da VRG entre julho e dezembro de 2006, período em que ela já pertencia à VarigLog mas ainda voava com o certificado de homologação (Cheta) da Varig em recuperação. "Vínhamos negociando o pagamento dessas dívidas, mas em agosto a VarigLog interrompeu as conversas", conta Dau. "Não temos qualquer perspectiva para receber esse dinheiro deles." Segundo o Valor apurou, a VarigLog não reconhece a dívida maior e está em curso uma perícia judicial para levantar créditos e débitos entre as empresas.

Já foi levantada a hipótese de a Gol quitar eventuais dívidas com a Nordeste, uma vez que desde abril deste ano ela é a dona da VRG. Constantino de Oliveira Jr., presidente da Gol, não confirma essa intenção. "Estamos acompanhando de perto a evolução da Nordeste e temos todo o interesse na sua recuperação, mas não há qualquer acordo envolvendo pagamentos", disse ao Valor após entrevista à imprensa. Alguns especialistas do meio jurídico acreditam que a sobrevivência da Nordeste garante a blindagem da Gol em relação a passivos da companhia em recuperação, que chegam a R$ 7 bilhões, sendo R$ 3 bilhões devidos somente ao fundo de pensão Aerus.

O fato é que só com a entrada de dinheiro extra a Flex poderá obedecer seu plano de negócios. Em agosto deste ano, a Nordeste tinha R$ 24,5 milhões em caixa, contra R$ 1 milhão do mesmo mês de 2006. Por enquanto, a receita da empresa provém de aluguéis, das suas sete estações de rádio aeroportuárias e dos seus três centros de treinamento de tripulantes. É suficiente para manter o dia-a-dia, mas não viabiliza o crescimento. "Aqui todo mundo tem que jogar nas 12", afirma Dau em relação aos funcionários. "Além das 11 posições normais do jogo, ainda precisamos ir para a torcida."

O plano da Flex contempla uma frota de sete aviões no primeiro ano de operações. Dau afirmou há alguns meses que a Gol estava auxiliando os contatos da Nordeste com empresas de aluguel (leasing) de aviões. A ajuda resultou no arrendamento da primeira aeronave da Flex. "A VRG vai trocar alguns dos seus aviões mais velhos por novos em 2008. Vou ficar na cola das empresas de leasing para alugá-los", conta o administrador. Devido à parceria com a Gol, a Flex evitará a competição com a companhia aérea em linhas e horários semelhantes. Mas a equação não é tão simples: com a frota de 737s, a Flex precisará estar em rotas de certa densidade para ter um bom resultado. E, em boa parte das rotas onde a demanda é alta, Gol ou TAM já estão. Conforme o plano de recuperação judicial, 70% do resultado líquido da Flex deve servir como pagamento aos credores.

Além da parte operacional, a Nordeste trabalha para cumprir outros pontos da recuperação. Há quatro meses, foi criada a Sociedade de Propósito Específico (SPE) que estava prevista. Foi batizada como Pioneira Recuperação e Administração de Ativos S.A. Ela terá como ativos o objeto de algumas ações judiciais ainda em curso e emitirá debêntures para os credores. Uma das ações judiciais é o processo movido pela Varig contra a União que pleiteia indenização pelo congelamento de tarifas aéreas na década de 1990. O valor pode ficar entre R$ 3,5 bilhões e R$ 5 bilhões - sem o acerto de contas que precisa ser feito entre as partes. A empresa saiu vencedora nas diversas etapas judiciais e agora espera julgamento do Supremo Tribunal Federal. As outras ações são travadas com os governos estaduais e buscam recuperar créditos de ICMS, num valor aproximado de R$ 800 milhões.