Título: Crescimento preocupante das hepatites B e C :: Tania Maria Onzi Pietrobelli
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 24/01/2011, Opinião, p. 15

Nos últimos 10 anos, enquanto concentrava esforços no controle bem-sucedido da Aids, o Brasil assistiu ao crescimento exponencial da contaminação pelos vírus HBV e HCV, causadores da hepatite subtipos B e C, respectivamente. Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado foram diagnosticados 14.601 novos casos de hepatite B, número 30 vezes maior que os 473 verificados em 1999. No caso da hepatite C, foram confirmados 9.794 novos casos da doença em 2009.

Assim, doenças que podem ser prevenidas com vacinação e proteção para evitar o contágio atingem número cada vez maior de pessoas e comprometem o sistema público de saúde. Estima-se que atualmente existam 2 milhões de pessoas portadoras de HBV no país. Como forma de remediar a situação, o ministério anunciou a ampliação da faixa etária para vacinação contra o vírus.

Enquanto isso, o crescimento das contaminações por hepatite compromete também o setor de transfusões sanguíneas. Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 7% do sangue coletado é descartado, principalmente por contaminação de hepatite B. Como há mais pessoas com a doença, a porcentagem tende a aumentar, o que comprometeria ainda mais os estoques de sangue no país.

Como os sintomas da hepatite demoram a aparecer, os testes realizados nos bancos de sangue são essenciais para garantir a segurança das transfusões. Atualmente, a identificação de hepatite é feita com o teste de sorologia, que se tornou obrigatório no Brasil na década de 1980 %u2014 com alguns anos de atraso em relação a outros países, o que ocasionou contaminações que poderiam ter sido evitadas.

Esse é um segundo aspecto relevante para a discussão. O nível de segurança para as transfusões de sangue é comprometido por uma vulnerabilidade do teste de sorologia: ele só é eficiente após um período conhecido como janela imunológica, o tempo necessário para o organismo %u201Cresponder%u201D à presença do vírus, produzindo anticorpos em um nível detectável pelo exame. Por isso, segundo estimativas do Ministério da Saúde, uma em cada 13.272 bolsas de sangue está contaminada por hepatite C, com doação feita durante a janela imunológica.

Já existe, contudo, um teste que reduz consideravelmente esse período. O exame de amplificação de ácidos nucleicos (NAT, na sigla em inglês) identifica traços de DNA do próprio vírus, em vez de procurar por anticorpos criados pelo organismo. Com ele, a janela imunológica dos testes para HIV cai de 22 para sete dias. No caso da hepatite, ela pode baixar de 70 para 11 dias. Assim, o risco de contaminação poderia ser 10 vezes menor.

Apesar de estar disponível no Brasil desde 2002, o teste não é encontrado na rede pública, o que expõe os centros de hemoterapia a risco desnecessário. Recentemente, a Anvisa publicou nova regulamentação para os bancos de sangue no Brasil, em que o NAT aparece apenas como exame opcional e complementar à sorologia, mantendo nossos estoques expostos ao problema da janela imunológica. Ou seja, apesar do maior número de pessoas com hepatite no país, os bancos de sangue continuam sem acesso amplo ao teste que melhoraria consideravelmente a segurança das transfusões.

Reforçamos a necessidade de que a Anvisa (órgão regulador no Brasil) reveja a Resolução da Diretoria Colegiada no 57, de 2010, e determine a inclusão e a obrigatoriedade do NAT para as hepatites B e C, além do HIV, como forma de aumentar a segurança das transfusões, especialmente em um momento em que convivemos com a consolidação das hepatites como problemas de saúde pública.