Título: Ação revocatória na Lei de Falências
Autor: Manoel Justino Bezerra Filho
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2005, Legislação & Tributos, p. E2

A ação revocatória na Lei de Falências (artigos 52 a 58 da lei anterior e artigos 129 a 138 da nova lei) tem por fim revogar atos de alienação de bens, determinando seu retorno ao patrimônio do falido, para que sejam arrecadados na falência. Envolve aspecto importante para todos que negociaram com o falido. No sistema da lei anterior, alguns atos podem ser desconsiderados independentemente de fraude (artigo 52); outros, para sua revogação, exigem a prova da fraude (artigo 53). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a anulação do ato depende de sentença em ação na qual tenha sido garantido o pleno exercício de ampla defesa, não podendo ser reconhecida por simples decisão interlocutória. Já a nova Lei de Falências cria duas situações distintas, ou seja, atos ineficazes e atos revogáveis. Os primeiros (artigo 129) podem ter a ineficácia declarada de ofício pelo juiz (parágrafo único do artigo 129), por simples decisão interlocutória. Estes atos estão todos previstos nos sete incisos do artigo 129, envolvendo pagamento de dívidas, constituição de garantias, atos gratuitos, renúncia a heranças, venda de estabelecimentos e registro de direitos reais e de transferência de imóveis; a ineficácia independe da existência da intenção das partes de fraudar credores. Para os atos revogáveis (artigo 130), ou seja, praticados com fraude, há necessidade de regular sentença em ação de rito ordinário, provando-se o conluio fraudulento e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida. E este efetivo prejuízo, exigência inexistente na Lei de Falências de 1945, será um severo complicador para o êxito da ação revocatória. Até o momento, provado o ato fraudulento, o bem volta à massa falida. Na nova lei, além da fraude, é necessário provar o prejuízo, prova dificílima, se não impossível. Neste ponto, a nova lei acarreta em retrocesso, que aumenta a facilidade de acobertamento de fraudes. Alterou-se o artigo 131 da nova lei, que excluía da possibilidade de declaração de ineficácia alguns atos praticados na recuperação extrajudicial e na judicial. Com a alteração, excluem-se apenas os atos quando se tratar de recuperação judicial. Na tendência que se percebe de dificultar a declaração de ineficácia, louve-se esta alteração, que aponta no sentido de maior rigor (ou seria menor tolerância?) com atos danosos à comunidade de credores. No entanto, o correto seria que não houvesse qualquer exclusão, pois contra a fraude o rigor deve ser absoluto. Embora certamente não tenha sido intenção dos redatores da lei convalidar atos fraudulentos, o artigo 132 da nova lei traz grande risco de impunidade ao fixar o prazo de três anos para ajuizar ação revocatória, prazo contado a partir da sentença que decreta a falência. A identificação de atos fraudulentos é trabalho que exige acentuada dedicação e profunda pesquisa. Muitas vezes a indicação do ato fraudulento surge apenas vários anos após o decreto de falência, justamente pelo cuidado de que se cercam os fraudadores. Neste ponto, mais correta é a lei anterior, que em seu artigo 56 que estabelece o prazo de um ano, porém a contar da elaboração do quadro geral de credores e do despacho que decidir o inquérito judicial, prazo, portanto, bastante amplo. Mais ainda se torna injustificável a exigüidade deste prazo decadencial, quando se vê que o artigo 132 refere-se aos atos revogáveis por fraude (artigo 130). Para os atos previstos no artigo 129 da lei (sem fraude) não há prazo estipulado. Disposição de admirável engenhosidade jurídica está no parágrafo 1º do artigo 136 da nova Lei de Falências, que impede ataque ao ato de cessão em prejuízo dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador. Desta forma, a blingadem do bem imóvel é absoluta, o que estimularia os investimentos no mercado imobiliário de imóveis em construção, pois haveria garantia mesmo em caso de falência da construtora. No entanto, tal sistema de negociação é também porta aberta para a fraude, bastando ao devedor conluiar-se com o securitizador e celebrar com ele uma simulação de cessão, transferindo o crédito e nada recebendo na realidade, para futuro acerto por fora. Mais fácil ainda seria tal fraude, quando se sabe que as securitizadoras normalmente são próximas (ou mesmo dependentes) das construtoras. Anote-se, por fim, que o artigo 136 estabelece os direitos do réu da ação revocatória.