Título: Imã de negócios
Autor: Avila , Alisson ; Cezar , Genilson
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2007, Especial, p. F1

Aumento de renda e, conseqüentemente do consumo da população, mão-de-obra mais barata e mais bem qualificada, concessão de empréstimos e incentivos fiscais estão transformando o Nordeste na mais promissora fronteira de expansão econômica do país. Trata-se de um novo cenário de oportunidades que vem atraindo investimentos significativos do empresariado nacional. Não apenas em atividades consideradas tradicionais para a região, como os segmentos de serviços e de turismo, mas, também, nos setores industriais, de comércio de bens de consumo e em áreas voltadas para a exportação.

Segundo dados do governo federal, nos próximos dois anos, a economia nordestina deverá receber um incremento de R$ 3 bilhões em novos projetos comerciais e industriais. Só Pernambuco, dono da segunda maior economia da região, já recebeu, nos últimos anos, 73 novas indústrias de alimentos destinados aos consumidores do Nordeste e ao mercado externo.

"O Nordeste é a bola da vez. A renda cresce de maneira expressiva, bem acima da média nacional. Pernambuco, por exemplo, está com uma taxa de crescimento anual de 30%. Por isso, estamos reforçando os investimentos na região para efetivar nossa liderança de mercado", resume Felipe Luz, diretor de relações industriais da Sadia, uma das principais empresas do setor de alimentos, com faturamento de R$ 7,9 bilhões em 2006, que está investindo R$ 250 milhões na construção de uma nova unidade industrial na cidade de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco.

A fábrica, que começa a ser montada em janeiro de 2008, criará 1,5 mil empregos diretos e 4 mil indiretos, produzirá 150 mil toneladas de alimentos embutidos, como mortadela, salsichas e lingüiças (10% do total da produção da companhia) e vai gerar uma receita adicional de R$ 400 milhões.

O otimismo do empresariado em relação às possibilidades de aumento de negócios no Nordeste - região de cerca de 1,5 milhão de quilômetros quadrados (18,3% do país), com nove Estados e população estimada em 51 milhões de habitantes (quase 28% do total do Brasil) - é generalizado. E não é sem razão. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2004 - último ano da pesquisa consolidada sobre o tema - , mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste aumenta gradativamente sua participação no PIB nacional - era de R$ 119 bilhões em 1998 (13,1% do PIB do Brasil) e atingiu R$ 248 bilhões em 2004 (14,1%). A renda per capita também tem aumentado sistematicamente desde 1994 (ver gráficos).

As exportações nordestinas estão em alta, avalia estudo da consultoria Deloitte: cresceram 10% em 2006, refletindo o movimento de desconcentração regional nos segmentos automotivo, petroquímico, papel e celulose, siderúrgico, calçadista, têxtil, sucroalcooleiro, soja e fruticultura.

O bom desempenho da economia e a melhoria da renda da população, inclusive por conta de programas sociais, como o Bolsa-Família e o Bolsa-Escola, favoreceram, igualmente, a expansão do consumo. Segundo o IBGE, as vendas do varejo no Nordeste cresceram 17,7% em 2006, enquanto no Sudeste, por exemplo, o aumento foi da ordem de 7%. Os nordestinos passaram a comprar mais alimentos perecíveis, material de limpeza, higiene e beleza, registrando a maior alta da taxa de consumo em 2006 (8,4%), enquanto a média nacional ficou em 4%, segundo levantamento da ACNielsen, especializada em pesquisa de mercado. "A recuperação do poder de compra e maior oferta de crédito, associados à criação de novos postos de trabalho, geraram maior consumo das famílias nordestinas", atesta Ana Carolina Franceschi, responsável pela pesquisa da ACNielsen "Mudanças no Mercado Brasileiro".

O avanço dos indicadores econômico se reflete no maior interesse de indústrias de segmentos importantes, como alimentos, bebidas, metalurgia, papel e celulose em investir na região. De outubro de 2004 a agosto de 2007, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) recebeu 112 cartas-consulta de empresas de dentro e fora da região visando obter os benefícios do novato Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE).

A maior parte dos candidatos apresentou projetos de investimentos estruturais, como a geração de energia eólica e a proposta de construção da ferrovia Transnordestina. Alimentos, bebidas e o setor do turismo também estão entre os mais demandados. Dois projetos estão em andamento: a construção de uma fábrica de revestimentos cerâmicos em Mossoró, no Rio Grande do Norte, com custo total de R$ 93 milhões, e um empreendimento para desenvolvimento de energia eólica em Aracati, no Ceará, orçado em R$ 56 milhões

"O crescimento da economia nordestina a taxas superiores à média nacional nos levou a optar por construir na região um novo complexo agroindustrial, abrangendo os segmentos de carnes e lácteos", justifica Nildemar Secches, presidente da Perdigão, um dos maiores fabricantes de congelados e industrializados de carne. Em setembro, o grupo anunciou a decisão de investir R$ 280 milhões na implantação de duas fábricas - uma da Batávia para o processamento de laticínio e outra da Perdigão para industrialização de embutidos de carne, além de um centro de distribuição regional, no município de Bom Conselho, a 287 quilômetros de Recife (PE). Serão 950 empregos diretos e terceirizados, além de outros 2,8 mil indiretos. "A vinda da Perdigão para o Nordeste aproxima a produção do consumo e da mão-de-obra e aumenta o leque de produtos oferecidos aos consumidores", diz.

Razões semelhantes são apresentadas por indústrias do segmento de bebidas, como a Femsa Cerveja Brasil, do grupo Femsa Fomento Econômico Mexicano S.A. Com produção total de 7 bilhões de litros por ano, a Femsa está investindo R$ 1,2 milhão para aumentar a capacidade da sua fábrica de Feira de Santana, na Bahia, onde produz Kaiser e Bavaria. A empresa tem outra fábrica em Pacatuba, no Ceará. "O Nordeste é hoje o terceiro maior mercado de cervejas do país e estamos atualizando as linhas de produção para facilitar mais ainda o nosso acesso aos consumidores", explica Gisleine Silveira, gerente de marketing da Femsa.

Também estão motivadas empresas do segmento de produtos de higiene e limpeza, como a Unilever, que se estabeleceu em Pernambuco nos anos 1990, mas que vem atualizando constantemente suas plantas industriais. "Além de um grande centro de distribuição, temos quatro fábricas na região. A última delas foi construída há dois anos com um investimento de mais de R$ 65 milhões. Mas continuaremos investindo para atender as expectativas dos consumidores de baixa renda", afirma Luiz Carlos Dutra, vice-presidente de assuntos corporativos da Unilever.

Outro exemplo de forte dinamismo é o do setor de varejo. As Lojas Renner, que registrou aumento de 23,8% (R$ 1,2 bilhão) em receita líquida nos três primeiros trimestres do ano em relação a igual período de 2006, sem contar os serviços financeiros, inaugurou nova loja em Salvador (BA) em novembro e estréia na Paraíba, na capital João Pessoa, até o fim do ano. Ao ressaltar que o incremento consolidado da receita da Renner foi bastante superior à média do varejo nacional de vestuário e calçados na mesma base de comparação (11% até agosto, segundo o IBGE), Luiz Elísio de Melo, diretor de operações da rede, lembra que novas lojas no Nordeste estão garantidas para 2008. "Nossa presença ainda é pequena para a importância da região", que tem com nove lojas lá (três em Fortaleza, duas em Recife, uma em Aracaju e três em Salvador), com de 92 lojas no país. "Tudo depende da abertura de novos shoppings ou da expansão das operações já existentes", diz.

Entre os varejistas de supermercados, o cenário é de novos desafios por conta da mudança no esquema de competição: a rede GBarbosa, grande força supermercadista no Nordeste (lojas na Bahia, Sergipe e Alagoas), que estava sob o controle do fundo norte-americano Acon, foi vendida por R$ 430 milhões em novembro para os chilenos da Cencosud, líder no setor em seu país de origem, também com operações na Argentina e Colômbia, e que prometem investir para crescer no Brasil no ano que vem. A venda evitou a polarização do setor, já que a eventual compra do negócio por parte do Grupo Pão de Açúcar, Wal-Mart ou Carrefour geraria uma possível concentração de mercado na mão de um único player.