Título: Famílias entram com ações nos EUA contra TAM
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2007, Legislação, p. E1

O escritório americano Motley Rice, com atuação internacional na representação de vítimas, começa a ingressar na Corte de Circuito da Flórida, nos Estados Unidos, com pedidos de indenização para os familiares dos mortos no acidente com o vôo 3054 da TAM, em julho, no aeroporto de Congonhas, São Paulo. A primeira ação, em nome de Carlos Camargo, filho da presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul (Sinapers), Júlia Camargo, foi protocolada neste mês e pelo menos outras quatro já foram contratadas e serão ajuizadas nas próximas semanas.

Conforme o advogado Don Migliori, além de mais rápida, com decisões em até três anos ou menos, a Justiça americana costuma estabelecer valores indenizatórios bem maiores do que os concedidos pelos tribunais brasileiros. "No sistema de compensações no Brasil os cálculos são mínimos", afirma o advogado, que se reuniu com familiares das vítimas do vôo 3054 em Porto Alegre, no último fim de semana. O acidente causou a morte de 199 pessoas no avião e em terra e as próximas ações serão movidas em nome dos familiares das vítimas Katia da Luz Escobar, Rosângela de Ávila Severo, Ricardo Almeida, Larissa e Bruno Ferraz.

"Nos Estados Unidos as indenizações podem ser pelo menos três ou quatro vezes maiores do que no Brasil", afirma Júlio César Colling, da Aragão & Colling Advogados Associados, de Porto Alegre, que está trabalhando em parceria com a Motley. Ele citou, como referência, decisão tomada em setembro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitando novo recurso da TAM contra o pagamento de indenização estimada em R$ 1,2 milhão à viúva e aos filhos de uma vítima no acidente ocorrido ainda em 1983, no interior de São Paulo.

A Corte da Flórida foi escolhida pelo escritório porque todas as rés têm representação no Estado americano, incluindo a TAM, que mantém um centro de treinamento em Miami. As outras empresas acionadas são a Airbus SAS, fabricante do A320 acidentado em Congonhas; a Airbus North América, que fornece o treinamento da tripulação; a Goodrich Corporation, fabricante dos reversores; e a Pegasus Aviation, dona da aeronave arrendada pela aérea brasileira.

Segundo Migliori, a tese é a de que todas as empresas foram negligentes nas suas atribuições e responsáveis por falhas em procedimentos básicos de segurança, incluindo manutenção, treinamento da tripulação e o uso de um reversor defeituoso numa pista escorregadia em noite chuvosa. Para o advogado, nestas circunstâncias o desastre era previsível e havia pelo menos três precedentes, em 1998, 2002 e 2004, quando três Airbus A320 acidentaram-se ao pousar nas Filipinas, nos EUA e em Taiwan, respectivamente, devido aos reversores inoperantes. Três pessoas morreram em terra no primeiro desastre. Nos demais não houve vítimas fatais.

Uma vez iniciados os processos, a Corte americana definirá a "conveniência de fórum" para decidir se o caso poderá ser julgado na Flórida ou deve ser enviado para o Brasil, explica o advogado Rhett Klok. Segundo ele, a Motley poderá alegar a demora do Judiciário brasileiro para garantir a permanência da ação nos EUA. "Temos o argumento de que Justiça demorada é Justiça negada", comenta.

Entre os casos de maior repercussão nos quais a Motley já trabalhou está o acordo civil firmado em 1998 que garantiu uma indenização de US$ 246 bilhões a ser paga pelas indústrias de cigarros a Estados americanos durante 25 anos. O escritório também representa familiares das vítimas e sobreviventes dos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos contra as companhias aéreas que teriam falhado em garantir a segurança dos vôos.

No Brasil, a Motley defendeu nove famílias de parte dos 33 mortos em um acidente ocorrido em 2004 com um avião da Rico Linhas Aéreas, no Amazonas. A ação, que citava as fabricantes Pratt & Whitney (motores) e Hamilton Sundstrand (hélices), a Embraer e a resseguradora Lloyd's, ingressou na Corte da Flórida naquele mesmo ano e foi remetida pelo juiz para o Brasil, mas entre o fim de 2006 e início de 2007 foram fechados acordos entre as partes.