Título: O presente e o futuro da arbitragem no Brasil
Autor: Venosa, Sílvio de Salvo
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2007, Legislação, p. E2

Antes da Lei nº 9.307, de 1996, que introduziu a arbitragem moderna no país, sob o prisma contratual e empresarial internacional, éramos considerados uma nação marginalizada ou de segunda classe. Toda negociação com pessoas jurídicas do exterior esbarrava na vetustez e anacronismo do Código Civil de 1916, que trouxera o compromisso arbitral no seu bojo como um nada jurídico, como algo absolutamente inútil. Esse antigo diploma, ao exigir homologação judicial da decisão arbitral, suprimia toda a utilidade do instituto e mais do que isso, levantava a celeuma da necessidade de homologação judicial de laudo arbitral proferido no Exterior, algo que durante muito tempo foi palco de infindáveis discussões no Supremo Tribunal Federal (STF) e de inúmeros constrangimentos, mormente a empresas brasileiras.

Ocorria com os advogados brasileiros, ao explicar nosso direito aos colegas de além-mar, idêntico constrangimento que qualquer brasileiro, não faz muitos anos, enfrentava no exterior, não podendo utilizar cartões de crédito internacionais. Éramos vistos sob suspeita, como cidadãos inferiores. Sob suspeita eram colocados nossos contratos de cunho internacional, obrigados a escolher câmaras arbitrais sediadas fora do território nacional, mantida sempre a dúvida sobre a possibilidade de executoriedade dessas decisões no direito interno, face à necessidade de chancela judicial. A tradição européia de há muito incluía a arbitragem em contratos comerciais internos e externos.

A lei de arbitragem vigente, já não sem tempo, veio socorrer situação que se mostrava deveras inconveniente. Houve, porém, muita desconfiança inicial de parte da doutrina e do meio social quando do início de sua vigência. Há sempre aqueles que olham para trás, recusando-se a ver o futuro ou a sociedade que os cerca. Houve até quem sustentasse, dentro da classe dos magistrados, que a lei de arbitragem iria suprimir a prerrogativa exclusiva do juiz togado que é julgar. Não bastassem, ainda, os que sustentaram a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei nº 9.307, que descreve executoriedade da cláusula compromissória, matéria que transitou por vários anos no Supremo Tribunal Federal, colocando em risco e sob desconfiança todo o esforço que se fez para a promulgação e eficácia desse diploma legal.

A verdade é que passados mais de dez anos de vigência da lei, superada a tormenta inicial, navegamos em águas mais calmas. Já é compreensível até mesmo pelo homem comum o conceito singelo do artigo 1º da citada lei, que repete compreensão tradicional: "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". O cunho contratual da arbitragem ressalta evidente.

A arbitragem é uma realidade especialmente no meio negocial empresarial, como se aguardava de há muito. Resta ainda um vasto trabalho de conscientização para que pequenas empresas e pessoas naturais possam também recorrer a esse mecanismo, um dos mais patentes sintomas do chamado fenômeno "fuga do Judiciário". O Poder Judiciário se mostra como um paquiderme que se movimenta mal e vagarosamente. Nem sempre suas decisões são antenadas com a realidade e necessidade social, algo que a arbitragem pode fazer com extrema vantagem. Esse aspecto é de consciência geral. Não se diga que esse é um fenômeno só nosso, pois ocorre em países mais e menos desenvolvidos. É fato, no entanto, que a arbitragem somente pode vicejar onde já existe uma base cultural e econômica favorável.

Existem três vantagens que ordinariamente se apontam para a arbitragem: sigilo, celeridade e um julgamento tecnicamente adequado.

-------------------------------------------------------------------------------- Não se pode exigir que a lei torne o procedimento arbitral público, sob pena de perecer uma de suas grandes vantagens --------------------------------------------------------------------------------

O sigilo das decisões, sempre apontado como uma das características e vantagens da arbitragem, vem sendo colocado em cheque por alguns segmentos. Com o julgamento privado, as partes podem manter em sigilo suas pendências, não as submetendo aos alardes do processo judicial, que nem mesmo o segredo de justiça consegue diminuir. Em se tratando de empresas e segredos negociais, a questão assume vital importância. Com a arbitragem, poderão os interessados, em princípio, obter decisões sigilosas, mais simples, rápidas e econômicas.

Contudo, assim como não é regra geral ser o processo arbitral mais econômico, nem sempre o sigilo da decisão será mais conveniente para todos os interessados. Questiona-se, atualmente, sobre a oportunidade e conveniência de manutenção de sigilo em questões envolvendo sociedades, mormente aquelas com ações em bolsa. É fato que a empresa precisa divulgar detalhes que possam afetar o balanço da empresa, a despeito do sigilo da arbitragem. Mas esses aspectos não se confundem. Não se pode exigir que a lei torne o procedimento arbitral público, sob pena de perecer uma de suas grandes vantagens. Há outros meios diretos e indiretos de fazer com que as companhias divulguem o que for necessário e isto absolutamente não se confunde com o sigilo inerente à lei de arbitragem. A questão passa a ser quando e o que do conteúdo arbitral deva ser revelado. Cumpre que os órgãos fiscalizadores atentem para esse aspecto, sem que se polemize sobre a arbitragem em si.

Outro aspecto que o sigilo promove é obstar uma jurisprudência arbitral, impedindo uma importante função didática. Talvez se possa imaginar norma que autorize divulgação dos procedimentos e decisões arbitrais após certo lapso temporal.

Tema que também aflora em sede de arbitragem é a possibilidade de ser utilizada pela administração. O ideal é que se faculte legalmente, sempre que possível e conveniente. A Lei de Arbitragem reporta-se, no seu artigo 1º, a "direitos patrimoniais disponíveis". Assim, a lei pode autorizar a administração a contratar o juízo arbitral, assim como os estatutos das sociedades de economia mista, que atuam como entidade de personalidade privada, podem fazê-lo.

Pode-se concluir que a Lei nº 9.307, de 1996, que estabeleceu o juízo arbitral no nosso país, trouxe-nos novo alento, principalmente para melhorar os rumos e o conteúdo das decisões que envolvem sociedades empresariais, como mais um fato a permitir o crescimento do nosso mercado de capitais. É altamente aconselhável que o juízo arbitral seja utilizado para a solução de pendências empresariais, inclusive quesilhas entre sócios, entre sócios e a sociedade e questões com outras empresas. A matéria societária não é bem-conduzida, como regra geral, pelos juízes togados, pouco afetos a uma problemática à qual não estão muito acostumados. Assim, a arbitragem auxilia efetivamente para melhorar as relações comerciais nacionais e internacionais, algo que muito nos afligia antes da legislação específica.

Sílvio de Salvo Venosa é advogado, professor, consultor, parecerista e autor de várias obras de direito civil

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