Título: Show do milhão
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2007, Eu, p. D1

O Brasil decididamente está na rota da riqueza mundial. O país já conta com pelo menos 125 mil milionários e esse seleto grupo deve ganhar mais alguns integrantes neste ano. A oferta de ações da Bovespa Holding, por exemplo, deve trazer para o mercado uma nova leva de afortunados, os donos de corretoras, que antes tinham parte do patrimônio engessado e que, com a venda de suas ações, embolsarão um bom filão de recursos. De olho em pelo menos uma parcela dessa bolada, os private banks já se movimentam.

Há alguns anos, o mercado de private bank no Brasil se resumia a um jogo de rouba monte, mas agora o setor vê efetivamente crescimento, diz Lywal Salles, direto do Itaú Private Banking. A instituição, conta, já está prospectando essa nova classe de milionários com a operação da Bovespa. "São pessoas que tinham muitos recursos, mas alguns não se enquadravam na categoria de cliente private", diz. "Quanto valia um assento na bolsa há três anos? Nada e hoje essas pessoas vão receber um dinheirão."

A oferta da Bovespa é secundária, ou seja, os recursos levantados com a operação irão para as corretoras, que tiveram seus títulos patrimoniais convertidos em ações. À venda foram colocadas 250,5 milhões de ações ordinárias (ON, com direito a voto). Se os papéis forem vendidos na média da faixa indicativa de preço, que vai de R$ 20 e R$ 23, a oferta pode levantar quase R$ 5,4 bilhões, sem considerar possível lote extra, que elevaria a operação a mais de R$ 6 bilhões. Isso significa uma boa injeção de recursos no setor de private banking brasileiro, já que uma parte ficará com investidores individuais.

Só a família Peixoto de Castro Palhares deve embolsar cerca de R$ 18,5 milhões com a venda de suas ações, considerando-se as informações do prospecto da operação e o preço médio da faixa indicativa da oferta. A família é dona do Grupo Peixoto de Castro, que detém participações em empresas do setor de aço, petroquímico, imobiliário, de produtos químicos e financeiro, com o Banco Prosper.

Outra que receberá uma boa quantia é a família Masagão, acionista do Banco Indusval. Esta será a segunda vez no ano que o clã obterá recursos com venda secundária de ações, já que o banco abriu o capital em julho. Agora, ao vender a participação que tem na Bovespa, receberá outros R$ 9,7 milhões, conforme a média indicativa de preços. A família Ciampolini, também acionista do Indusval, tem situação similar. Com a oferta da bolsa vai engordar a conta-corrente em mais R$ 8,2 milhões.

Estudo da consultoria Boston Consulting Group revela que a administração de riqueza na América Latina está entre as mais rentáveis, com margens de lucro que ficam na casa dos 55,1%. O levantamento avaliou 60 países e cerca de 100 private banks forneceram dados. As crescentes ofertas públicas de ações, commodities em preços elevados e a maior internalização de recursos têm feito o setor de private bank brasileiro crescer a passos largos.

Salles, do Itaú, conta que de 2005 para 2006, o volume de recursos administrados desses clientes no banco dobrou e, neste ano, a instituição já registra crescimento de 50%, para R$ 30 bilhões. Há cinco anos, quando assumiu a área de private do banco, Salles diz que tinha apenas R$ 7 bilhões sob gestão. "Saímos do cenário de rouba monte para o de rouba banker, já que não há muitos bons profissionais especializados nessa área", brinca.

O estudo da Boston Consulting mostra ainda que as fortunas latino-americanas estão entre as que mais cresceram no mundo no ano passado, com alta de 12,8%. E se a América Latina apresentou um desempenho notável, o Brasil foi o destaque, com alta 20%. O total de riqueza na região como um todo passou de US$ 3 trilhões (R$ 6 trilhões) em 2005 para US$ 3,4 trilhões (6,8 trilhões) no ano passado. Segundo Christian de Juniac, sócio da consultoria e um dos responsáveis pelo estudo, o Brasil representa metade da riqueza presente na região. Esses valores de riqueza levam em conta recursos livres para aplicação, ativos mantidos direta ou indiretamente como investimento, depósitos em dinheiro, fundos de curto prazo, recursos internos (onshore) e externos (offshore). Além disso, os números incluem a riqueza dos investidores num negócio próprio, imóveis e bens de luxo.

Quando se observa o crescimento das fortunas entre 2001 e 2006, vê-se que o Brasil perde apenas para China, com expansão de 22,4% ante 23,4% do mercado chinês. Não por acaso, muitas instituições internacionais estão montando plataformas locais no Brasil para atender os clientes mais abonados. Já os bancos brasileiros estão dando ainda mais atenção a esse segmento. "Poderemos ter facilmente, daqui a dois ou três anos, pelo menos 200 mil milionários brasileiros", estima Juniac.

O mercado brasileiro vem crescendo num ritmo mais rápido que a média mundial em termos de geração de riqueza e esse desempenho deve continuar, diz Eduardo Oliveira, diretor da área de Wealth Management no Brasil do UBS Pactual. "O país continua em nossa lista de prioridades e muita gente vai se beneficiar com as oportunidades trazidas com a alta liquidez", afirma. Ele conta que, somente neste ano, o total de ativos sob administração do banco dobrou em relação a todo o ano passado, apesar de o executivo não divulgar o quanto o grupo tem nessa área no país. A expectativa, segundo ele, é de que o crescimento se mantenha na faixa de 30% nos próximos três ou quatro anos.

De acordo com Oliveira, há hoje uma tendência mundial de os donos de grandes fortunas manterem seus recursos nos mercados domésticos, situação bem diferente do passado, quando batiam asas em busca de um porto seguro. "Com a unificação dos modelos macroeconômicos de gerenciamento (das finanças públicas), os países se estruturaram e passaram a oferecer condições mais seguras para investimentos locais", diz.

Certamente algumas pessoas vão receber uma bolada na oferta da bolsa, mas nem tudo que será captado irá ingressar no setor, pondera Mauro Rached, estrategista-chefe de investimentos do BNP Paribas Private Banking Brasil, lembrando que muitos irão reinvestir parte do dinheiro nas próprias corretoras. De qualquer forma, diz o executivo, as perspectivas para o mercado de private banking são muito positivas. "Talvez o bom desempenho do setor não se repita no ano que vem com a mesma intensidade, mais ainda assim o cenário é de crescimento", avalia. Rached, que também diz ter dobrado a captação de recursos até setembro ante todo o ano passado, trabalha com uma alta na faixa de 20% a 30% em relação à média histórica

Além das aberturas de capital, muitos fundos internacionais de participação, conhecidos como carteiras de "private equity", também têm vindo para o Brasil, ajudando a florescer novas fortunas. Esses fundos compram, por exemplo, participações em companhias familiares e é esse dinheiro que vai para o bolso dos sócios, que saem ou reduzem a sua parcela no negócio, que representa uma injeção de recursos extra no setor de private banking, lembra Luiz Orlando Foz, diretor do Safdié Private Banking. "A melhora no cenário econômico do país e o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro favorecem a acumulação de riqueza", diz.