Título: Preocupado com térmicas, ONS muda cálculo de risco na oferta de energia
Autor: Santos , Chico ; Rafael Rosas
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Brasil, p. A2

A menor oferta de energia termelétrica em decorrência da escassez estrutural de gás natural foi o principal motivo que levou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a elevar a curva de aversão ao risco de racionamento no sistema elétrico, o que praticamente dobra a necessidade de água nos reservatórios das hidrelétricas no dia 1º de janeiro de 2008.

Caso isso não ocorra, será necessário acionar as termelétricas a gás que estão de "stand by", gerando déficit no restante do mercado de gás natural. O que era 33% da capacidade com as variáveis anteriores, passou para 61% com os dados aplicados à fórmula para o biênio 2008/2009.

Antes, o ONS contava com cerca de 5.000 megawatts das térmicas a gás. Agora, conta apenas com os 2.700 MW garantidos pelo termo de compromisso assinado entre a Petrobras e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, acrescenta dois fatores à equação do ONS: a falta de gás para os demais mercados no caso de despacho simultâneo de todas as térmicas, como no final de outubro, e a constatação de que é impossível para a Argentina continuar exportando energia para o Brasil.

A curva de aversão ao risco é feita regularmente pelo ONS, no fim de cada ano, para o biênio seguinte. Desde março deste ano, o órgão estuda propor um rigor maior no cálculo da curva, considerando inclusive os efeitos negativos das mudanças climáticas sobre o regime das chuvas. O problema é que, ao divulgar os cálculos que acabam de ser concluídos, o ONS colocou lenha na fogueira da crise do gás, tornando praticamente certo o despacho de todas as térmicas no começo de janeiro, gerando expectativa de outra crise de abastecimento de gás.

Segundo o cálculo, para chegar em dezembro de 2009 com garantia de abastecimento - na hipótese de os próximos dois anos serem iguais aos dois piores períodos hidrológicos já medidos no Sudeste (1932 a 1936 e 1952 a 1956) - será preciso que 2008 comece com 61% de água nos reservatórios da região. Hoje eles estão com 50%. O modelo leva em conta as alternativas à hidreletricidade existentes.

O volume de 61% é muito difícil de ser atingido, ainda que o grau de otimismo da Aneel e do ONS em relação ao período de chuvas, que acaba de começar e vai até abril, seja divergente. Kelman, da Aneel, tem destacado o começo ruim da estação chuvosa e o avanço lento do nível dos reservatórios. No ONS, considerando-se que o nível de precipitação de novembro já alcançou 90% da média histórica, se considera possível que os reservatórios da região cheguem a 1º de janeiro com cerca de 58% da capacidade.

Caso essa hipótese se confirme e a estação chuvosa prossiga favorável, seria possível que, em uma ou, no máximo, duas semanas, o mínimo de 61% seja atingido, desarmando a armadilha do despacho integral das térmicas a gás. A proposta do ONS ainda está em audiência pública e depende de aprovação até 7 de dezembro. Uma opção menos rigorosa, embora mais arriscada, poderia ser tomada até a definição final, como enfatizou o diretor-geral da Aneel. Grandes discussões são esperados para 3 de dezembro, quando os debates serão com presença física dos participantes.

Ficaria a preocupação com o Nordeste, onde não está chovendo e o nível dos reservatórios está em 32% e precisa estar em 33% em janeiro para garantir o abastecimento por dois anos, considerando a repetição de 2001, o pior quadro hidrológico da região em 70 anos.

A situação nordestina fica mais grave por ser o abastecimento da região dependente de apenas um rio, o São Francisco. A única vantagem dessa dependência é que, como o São Francisco nasce no meio da região Sudeste (serra da Canastra, em Minas, um bom período chuvoso na região acaba levando também água para os reservatórios nordestinos. (*) Do Valor Online