Título: Governo usa MP contra apagão postal
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Brasil, p. A4

A ameaça de um verdadeiro "apagão postal" na próxima semana, com o término de contratos assinados no início da década passada para permitir o funcionamento de agências franqueadas dos Correios, levou o governo a articular a edição de uma medida provisória que contraria frontalmente determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) feitas nos últimos 13 anos ao Ministério das Comunicações.

O assunto é tratado como prioridade na Casa Civil e a MP, com a prorrogação dos contratos, deve sair nos próximos dias. Trata-se de um remendo, qualificado pelo TCU como "inconstitucional", para evitar o colapso dos serviços postais a partir de terça-feira. Enquanto isso, a confusão jurídica gera angústia nos donos de 1.466 franquias da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), que representam 23% do total de agências e geram receitas de R$ 3,5 bilhões anuais para a estatal.

A controvérsia tem origem em um acórdão de 1994, do tribunal de contas, que exigia da ECT um processo de licitação para substituir a rede de franquias da empresa. Na época, diante da necessidade de expandir sua rede e da falta de caixa para realizar esses investimentos, os Correios recorriam ao contrato de franchising e cediam a marca estatal em troca da coleta de objetos postais.

Hoje as franqueadas representam 38% do faturamento da ECT e têm cerca de 5 mil sócios, com idade média de 50 anos. "São micro e pequenos empresários, com negócios tocados por suas próprias famílias, e que estão vivendo uma incerteza enorme", diz Maria Salete Rodrigues de Melo, presidente da Abrapost, associação que representa os franqueados, presentes em todos os Estados.

Para o TCU, a Lei de Licitações (8.666/93) não ampara os contratos assinados entre esses empresários e a estatal. Na avaliação do tribunal, a modalidade de prestação de serviços públicos por franquia não tem respaldo na Constituição, que só prevê três tipos de regime: concessão, autorização ou permissão. Por isso, ainda em 1994, o TCU determinou aos Correios mudar os procedimentos para as franquias.

Por duas vezes, no entanto, a mudança foi adiada. Duas leis, uma de 1998 e outra de 2002, prorrogaram os contratos das agências franqueadas. Da última vez, a prorrogação foi feita por cinco anos, esticando o fim dos contratos exatamente para 27 de novembro de 2007 - próxima terça-feira. No ano passado, em mais uma decisão tomada em plenário, os ministros do TCU reafirmaram a necessidade de uma licitação para substituir a rede franqueada e estabelecer contratos de concessão para a prestação dos serviços postais.

Mesmo com os seguidos alertas do TCU, reforçados pela CPI dos Correios em 2006, o assunto permaneceu indefinido. Só no mês passado a diretoria da ECT concluiu um rascunho da licitação para substituir as franquias por contratos de concessão. Preocupada com a continuidade dos serviços, a estatal desenhou regras que privilegiavam os atuais franqueados.

Tempo de experiência como prestador de serviços aos Correios e localização da agência seriam levados em conta no julgamento dos vencedores da concorrência idealizada pela ECT, de forma a praticamente assegurar que os donos das franquias preservassem seus pontos. O temor da estatal era que os franqueados migrassem para empresas concorrentes de entregas e encomendas, como a FedEx e a DHL.

O presidente dos Correios, Carlos Henrique Almeida Custódio, envolveu-se no desenho desse modelo de licitação e negociava pessoalmente com o TCU para obter autorização ao edital. Paralelamente, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), que foi relator da CPI dos Correios, apresentou um projeto de lei propondo um termo de ajuste para os atuais franqueados. Pelo projeto de Serraglio, eles se tornariam concessionários da ECT e a estatal passaria a fazer licitações somente para a instalação de novas agências terceirizadas.

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, não encampou nenhuma das duas propostas e ligou, na quarta-feira, para a presidente da Abrapost. No telefonema, Costa informou Maria Salete que o governo editaria uma MP, até terça-feira, prorrogando os contratos. Fontes do Palácio do Planalto confirmaram que a MP vai sair mesmo, para evitar o colapso dos serviços.

Na prática, adia-se uma definição, o que causa aflição entre os franqueados e é visto com extrema reserva pelo TCU. Em relatório encaminhado aos ministros, na quarta-feira, a área técnica do tribunal disse que "não há como defender a legalidade e a constitucionalidade dos contratos de franquia empresarial celebrados, desde 1990, pela ECT". Também qualificou de inconstitucional a lei de 2002, com a última prorrogação dos contratos, por entender que "já não era mais defensível a tese de necessidade de prazo para realizar as licitações".

Diante da proximidade do fim dos contratos com os franqueados, o TCU acrescentou que "soluções legislativas" a ser adotadas para prorrogá-los "provavelmente" serão consideradas inconstitucionais mais uma vez. O relatório, analisado em plenário na quarta-feira, adverte para o risco de um "apagão postal" na próxima semana. E é só por causa disso, conforme registraram os ministros do tribunal em nova decisão, que o TCU acabou autorizando, "em caráter excepcional", a manutenção dos atuais contratos por um período de até 360 dias, "até a finalização do procedimento licitatório" e o cumprimento total das determinações feitas nos últimos anos.

O TCU ameaça processar e aplicar sanções à ECT e ao Ministério das Comunicações se as determinações não forem aplicadas em um ano. A Abrapost, que nos últimos dias recebeu pedidos de orientações de franqueados que já pensavam em dar aviso prévio aos funcionários, não considera a MP como melhor solução. "Não adianta prorrogar o nosso sofrimento", afirma Maria Salete.