Título: Medidas argentinas podem afetar o Brasil
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Brasil, p. A5

As disputas comerciais entre o Brasil e a Argentina podem ganhar novos contornos, além das pendências que sobraram em produtos manufaturados, com cotas de exportação remanescentes em alguns produtos. Começa a despontar outro tipo de disputa, desta vez envolvendo os investimentos brasileiros realizados no país e a exportação de algumas companhias Algumas "armas" já foram apontadas contra o Brasil nessa nova batalha.

No início de outubro, o governo argentino obrigou os fundos de pensão privados (que no país se chamam AFJP) a repatriarem US$ 2,5 bilhões que tinham investido em ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em seguida, deputados da majoritária base governista no Congresso, colocaram em tramitação três projetos de lei que nacionalizam a chamada Cota Hilton, medida que afeta os frigoríficos brasileiros que compraram o controle de frigoríficos locais.

Logo depois das eleições presidenciais de 28 de outubro - vencidas por Cristina Kirchner, senadora e mulher do presidente Néstor Kirchner, o governo decidiu aumentar o percentual das retenções sobre as exportações de petróleo e já circulam na imprensa local informações (não confirmadas oficialmente) de que a medida será estendida a outros produtos, como o aço. São setores nos quais as brasileiras Petrobras e Gerdau são afetadas através de suas subsidiárias no país.

A imprensa argentina trata esses assuntos sempre com foco no Brasil, embora o sócio do Mercosul não seja o maior investidor estrangeiro no país (é a Espanha) nem o único estrangeiro nos mercados afetados. Uma alta fonte da chancelaria brasileira ouvida pelo Valor, disse não acreditar que os eventos tenham um sentido de atacar o Brasil diretamente. Mas admitiu que "conforme a relação econômica entre os dois países se intensifica, é natural que surjam medidas deste tipo".

A decisão envolvendo os fundos de pensão tem mais um valor simbólico porque envolve uma quantia muito pequena comparada ao movimento da Bovespa. Já o aumento das retenções sobre a exportação de petróleo, embora atinja todas as petroleiras, nacionais e estrangeiras, pega de cheio a Petrobras, que só este ano exportou US$ 27,48 milhões a partir de sua subsidiária.

O economista Dante Sica, sócio da Abeceb.com e ex-secretário de Indústria, especialista em comércio exterior, explica as retenções como parte de uma política do governo argentino para aumentar sua arrecadação e ao mesmo tempo bloquear a transferência da alta dos preços internacionais para o mercado interno. E sobre o dinheiro repatriado dos fundos de pensão privados, ele diz que do valor total que estes fundos podem manter em investimentos em ações estrangeiras, a maior parte estava na Bovespa. "Não são medidas contra o Brasil", argumenta o economista.

O caso da Cota Hilton é mais grave. A fonte da chancelaria brasileira disse que já foram feitos contatos com os deputados e com advogados especializados no assunto e concluiu-se que os projetos (caso sejam transformados em lei) não resistem aos tribunais. Isso porque a constituição argentina não permite a discriminação de investimentos por origem do capital. "O máximo que pode acontecer é os deputados usarem as cotas para instituir algum tipo de incentivo regional e a pequenas empresas", completa Dante Sica.

Passadas as eleições na Argentina e definida a equipe econômica da presidente eleita Cristina Fernandez de Kirchner, empresários e funcionários dos governos de ambos os lados vão voltar à mesa de negociação. Segundo o Itamaraty, há acordos de restrições voluntárias de exportação e de salvaguardas vencidos ou que vencem no fim deste ano e que devem ser renegociados em breve. A lista inclui geladeiras, fogões a gás, máquinas de lavar louças, calçados, denin e as salvaguardas para TVs de plasma produzidas na Zona Franca de Manaus.

O economista Jorge Vasconcelos, da Fundação Mediterrânea, acha que os conflitos nas relações entre Brasil e Argentina sempre tiveram a mesma origem e nada mudou este ano: a falta de avanço na remoção de barreiras burocráticas e regulatórias a comércio e aos investimentos, de ambos os lados.

O comércio entre os dois países, diz Vasconcelos, é de menos de 2% do PIB conjunto (US$ 24 bilhões de exportações e importações dentro de um total de riqueza produzida de US$ 1,5 trilhão). "Ainda temos muito que caminhar. Não é mais possível escutarmos as queixas dos empresários argentinos pela falta de acesso a determinados mercados brasileiros e dos brasileiros que fazem investimentos na Argentina para depois verem as regras serem mudadas no meio do jogo", diz Vasconcelos.