Título: Terceiro mandato domina congresso tucano
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Política, p. A9

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem cobrança de posição clara do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra as iniciativas de aliados do Palácio do Planalto a favor de um terceiro mandato para o petista. Alertando para os riscos à democracia de manobras patrocinadas por governistas, FHC deu o tom do 3º Congresso Nacional do partido, que será encerrado hoje em Brasília, com a votação do novo programa partidário e a eleição da nova Comissão Executiva Nacional.

"Hoje temos um sistema eleitoral com regras definidas. Não há mais razão para que se discuta um enésimo mandato. Não só porque é errado, mas porque, concedendo mais um, será mais 'N', porque não há mais princípio que restrinja. Eu não estou acusando o presidente Lula de desejar isso. Se o acusasse disso, eu teria que propor o seu impeachment, porque ele estaria atuando contra o princípio democrático fundamental, de alternância. Eu não estou acusando. Estou dizendo que existe esse risco. E esse risco está no ar, e mais do que no ar, está em ações que começam a se organizar", afirmou FHC.

Falando a um auditório lotado com cerca de mil filiados do PSDB, FHC cobrou de Lula um gesto para conter seus aliados. "Espero do presidente Lula, com mais clareza do que disse até agora, com menos legoleios pra justificar o companheiro da Venezuela, que diga com clareza: 'sou contra'."

"E não é dizer , como disse no caso dos mensalões , que não está provado. Presidente não pode passar a mão na cabeça de aloprado algum. Lugar de aloprado é no hospício. Não é próximo do presidente. E de ladrão é na cadeia, naturalmente", disse.

FHC entusiasmou a platéia com seu discurso inflamado ressaltando o papel do PSDB na luta pela democracia. "Temos eleições, liberdade, tribunais funcionando, mas ainda não temos aquilo que é essencial na democracia: não temos ainda o sentimento da igualdade. Não sentimos ainda o sentimento de que a lei vale pra todos. E daí vem a impunidade. Onde há impunidade não há democracia", afirmou.

FHC lembrou a atuação do partido contra o regime militar e lembrou que, naquela época, nem os governadores que se opunham ao governo federal não temiam o que poderia acontecer no dia seguinte. "Não aceitamos alterações de forma alguma que leve a qualquer idéia de continuísmo", disse.

Em entrevista, ao chegar ao local do congresso do PSDB, FHC disse que o evento marca um acirramento do partido em sua postura de oposição. "Acho que o PSDB está esquentando o motor. É bom que esquente. Tem que exercer uma posição mais claramente aberta e firme. Ser oposição não quer dizer contra tudo. Mas contra aquilo que se chocar contra nossos valores e princípios. Por exemplo: terceiro mandato é contra nossos princípios", disse.

FHC disse que a democracia "não pode ser considerada como válida quando é substituída pela mera consulta que quem esta lá em cima faz à massa popular, manipulada pela televisão ou pelos meios disponíveis". Para FHC, "estamos deseducando o povo brasileiro, ao confundir manobras, manipulações que levam a plebiscito, com democracia. Já foi dito: Hitler foi eleito, Mussolini foi eleito, nas ditaduras, Stálin era eleito. Não é suficiente ter eleições pra saber que tem democracia. Tem que ter liberdade em geral", afirmou .

O ex-presidente pregou que o PSDB defenda com maior vigor a segurança pública. Disse que, hoje, o medo que existe na população não é de repressão, como na ditadura. É da violência. "Não há democracia num país com medo. Nosso país tem medo", disse.

O PSDB reuniu suas principais lideranças para a realização do congresso. Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), nomes fortes no partido para a disputa presidencial de 2010, deram manifestações públicas de união. Dos governadores do partido, apenas Cássio Cunha Lima (PB) não compareceu.

Ao lado de Serra, Aécio afirmou que "o grande diferencial do PSDB é a unidade em torno de um projeto político para o Brasil" e que o partido tem trabalhado em busca de um pensamento cada vez mais unitário.

O governador mineiro afirmou que o PT tem se apropriado de conquistas tucanas, como a estabilidade econômica. Criticou o comportamento perdulário de Lula e o paternalismo que marca os programas de transferência de renda. O curto pronunciamento de Aécio foi encerrado com otimismo para a volta do PSDB ao governo. "Em 2010, nos aguardem que verão de novo o PSDB comandando esse país".

Serra fez um discurso mais denso, mesclando pontos do novo programa partidário com críticas a Lula. "Nos últimos anos, acompanhamos uma verdadeira confusão entre governo, partido e Estado. Fizeram uma verdadeira privatização do Estado brasileiro", afirmou. "Para eles, se é bom para o governo, tudo se justifica", completou. O governador paulista pregou um "Estado mais enxuto e musculoso e um mercado dinâmico". Segundo ele, "o estatismo e a inércia devem ser substituídos pelo ativismo governamental".