Título: Por que um banco do sul não é uma boa idéia
Autor: Saddi , Jairo
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Opinião, p. A12

Proposta apresentada pelo atual presidente da Venezuela, estabelecendo a criação de um banco específico do Cone Sul para fomentar o desenvolvimento regional, deve ser veementemente rechaçada. É uma idéia antiga, mal-acabada e pode se transformar em mais uma proposta que deveríamos ter rejeitado. A principal justificativa para a sua criação é que um programa de apoio a uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo do crédito e do desenvolvimento não pode estar sujeita às políticas cíclicas da economia mundial e, claro, faz sentido, o continente se afastar do domínio americano. Em dezembro, sete países sul-americanos, entre os quais o Brasil, devem participar da assinatura da constituição do Banco do Sul, com capital integralizado que pode chegar a US$ 7 bilhões e atividades previstas para o início de 2008. Os países fundadores poderão se tornar 12, a julgar pelas declarações do presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, que afirmou que a fundação do Banco do Sul é mais uma "declaração de solidariedade e irmandade" do que uma rejeição às instituições multilaterais internacionais que já existem e operam há muito, como o BID, o Banco Mundial e mesmo o FMI.

A fundação do banco não é uma boa justificativa econômica por qualquer dos ângulos que se analise o tema. A idéia de criar uma instituição financeira específica para o continente é adicionar o ultraje ao insulto. Uma política pública para a América do Sul que se sustente deve prescindir do conceito bizarro de que um banco gerido por sul-americanos é melhor do que um gerido por norte-americanos. Bons projetos são bons aqui e acolá, e banco de fomento é coisa séria demais para estar nas mãos de pessoas como Chávez.

Há o sentimento generalizado de que o que se pretende é mais o uso da máquina pública atual da Venezuela, financiada pelos petrodólares americanos e europeus, e que funciona como eficiente catalisador do crescente populismo chavista, do que efetivamente uma instituição de fomento para as reformas necessárias ao Cone Sul.

A resposta do Brasil é dúbia. Por um lado, o ministro Mantega afirma que o Brasil acaba mostrando menos interesse por ter maior capacidade de crédito internacional, mas por outro afirma que o Brasil apóia o projeto "porque irá beneficiar os seus parceiros comerciais e os seus negócios com o Brasil". Assim, aprova a empreitada em prol de uma política de relações internacionais mais afirmativa. Claro, se o país puder obter vantagens laterais - maior oferta energética, por exemplo -, não seria ruim afirmar que apóia a iniciativa. O problema é o custo de tal apoio - e o tipo de hipoteca do futuro que estamos fazendo com alianças desse tipo. A privatização do gasoduto da Bolívia é um exemplo real e recente que não deixa dúvidas sobre o tipo de sócio a que estamos nos aliando.

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Prova disso é a idéia do primeiro projeto a receber financiamentos do Banco do Sul. Apesar do discurso oficial, de que "o banco terá entre suas orientações financiar aqueles programas que apontem para a integração entre nossos países", o gasoduto que a Venezuela pretende construir, tendo uma reserva grande de gás - esse país acredita que é possível unir a América do Sul com um grande gasoduto que passe pelo Brasil e termine na Argentina -, nada tem de integração solidária e complementar, mas claro cunho político hegemônico.

Não se deve esquecer de que o Brasil ainda está a se recuperar do nosso último parceiro de gasodutos, a Bolívia. E apesar de precisarmos do gás venezuelano, é uma idéia canhestra ter um sócio como Chávez e ingenuidade pretender liderar um consórcio para assumir o desafio de construir a extensa canalização. Melhor seria cuidar da segurança pública, que anda um descalabro e que afeta milhões de brasileiros. O projeto do gasoduto prevê o transporte de gás por mais de 12.500 quilômetros, passando pelos principais centros econômicos do Brasil, e já conta com um protocolo de intenções entre a Petrobras e a PDVSA, empresa petrolífera venezuelana. Não acabou vingando como previsto e a engenharia básica do projeto exclui o Brasil, mas deverá estar concluída até dezembro de 2008 com a interligação com Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

Nossa incapacidade para a assertividade levou à aguda indecisão de quanto e como será a participação do Brasil. De acordo com Mantega, a composição do capital do Banco do Sul ainda não está totalmente acertada (apesar dos investimentos já estarem) e, primor da verve rocambólica oficial: "O Brasil vai definir qual parcela colocará. É claro que não é dos países que vai colocar menos capital e está entre os que vão dar mais. Mas quanto e de que forma, ainda não está definido". Mesmo assim, entende-se que o volume de capital a ser aportado por cada país "vai pesar" na formação da diretoria da instituição. Ou seja, seremos sócios majoritários - mesmo sem os benefícios do controle. E para não pairar qualquer dúvida sobre os sérios propósitos do banco, o ministro afirmou: "Não é um banco de aventuras. É um banco profissional, eficiente, que vai ter rating e financiar projetos sérios", ressaltando que os países integrantes fizeram ajustes fiscais importantes em suas economias e "têm solidez maior que alguns países desenvolvidos".

O que o ministro Mantega não explicitou é que esses países "sólidos" não têm instituições, inclusão social, políticas críveis e consistentes e que até hoje se mostram francamente hostis ao Brasil em matéria econômica. Enquanto é hora, vamos abandonar a idéia do Banco do Sul e deixar dessa bobagem de Brasil potência e líder da América do Sul.

Jairo Saddi é doutor em Direito Econômico (USP), Pós-Doutorado pela Universidade de Oxford. É diretor do Ibmec Direito, do Ibmec São Paulo.