Título: Kuait é um canteiro de obras no deserto
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Especial, p. A14

Quando as obras estiverem concluídas, o Alameda Shopping Mall, na Cidade do Kuait, terá uma extensão de 1,2 quilômetro por 500 metros de largura. Enquanto uma parte das lojas já atende aos ávidos consumidores, os operários constroem a toda pressa a outra metade, que incluirá uma imensa praça de alimentação e uma área "high fashion", voltada para o público de alto poder aquisitivo do pequeno país rico em petróleo.

A incorporadora Mabanee, sediada no Kuait, está gastando US$ 1 bilhão no projeto. Listada na bolsa de valores do país, a empresa pertence a um grupo de investidores locais. A Mabanee foi criada depois que os Estados Unidos expulsaram o Iraque do ex-ditador Saddam Hussein do país. Essa é sua primeira obra. "Na empresa, costumamos dizer que é nosso primeiro bebê", diz o gerente do projeto, Abdulaziz Alhomaidi.

Apesar de sua longa história, o Kuait, que é governado pelo emir Sabah Al-Ahmed Al-Sabah e sua família, parece um país recém nascido. Dos bombardeios que arrasaram a capital no início da década de 90, sobrou apenas uma casa em ruínas, que foi conservada como lembrança. A Cidade do Kuait é hoje um deserto em obras e este é apenas o começo. Com uma economia que cresceu 12,7% no ano passado e 10% das reservas de petróleo do mundo, sobra dinheiro.

Segundo o Ministério do Obras Públicas do Kuait, serão investidos US$ 15 bilhões em infraestrutura nos próximos sete anos. A maioria dos projetos ainda está em fase de implantação. Segundo a sub-secretária para Assuntos de Engenharia Rodoviária do ministério, Hanadi Al-Wohaib, o objetivo é construir sete grandes rodovias e reformar outras oito. Entre hospitais, prédios públicos e escolas, existem no país hoje 200 projetos em diferentes fases. Boa parte dos investimentos será destinada ao saneamento. Em 10 anos, o governo quer tratar toda a água para reutilizá-la na agricultura e em outros fins. O país não tem fonte de água potável.

"Começamos novamente em 2003", disse Hanadi ao Valor, uma mulher de voz firme, com roupas ocidentais, jóias e um bonito lenço islâmico escondendo os cabelos. O Kuait gastou mais de US$ 5 bilhões para reparar a infra-estrutura destruída pela guerra, que durou de agosto de 1990 a fevereiro de 1991. Mas foi só após os EUA invadirem o Iraque em 2003 e retirarem Saddam Husseim do poder que o país se tornou um lugar seguro para investir. Outro fator preponderante para o imenso fôlego financeiro é o preço do petróleo, próximo a atingir US$ 100 o barril, em alta desde o fim da década de 90.

"Vamos utilizar o dinheiro do petróleo para construir a nossa infra-estrutura", diz Mohannad Al-Khayta, que também é engenheiro no Ministério de Obras Públicas. O Kuait e boa parte dos vizinhos querem evitar o erro cometido na década de 70, quando os recursos obtidos com o ciclo de alta do preço do petróleo se transformaram apenas em aplicações em países estrangeiros e orgias financeiras dos herdeiros das famílias dos emirados no exterior.

Os recursos hoje são tão voluptuosos que permitem investimentos caríssimos. Al-Khayta é o coordenador do setor de mega projetos do ministério, que cuida das ilhas de Falika e Bubiyan. Situada no norte do país a apenas 26 quilômetros da capital, Falika é famosa pelos monumentos gregos. O governo vai gastar US$ 3 milhões para transformar o lugar em um paraíso do turismo.

Em Bubiyan, no sul do país, o investimento é muito mais alto: US$ 500 milhões. O objetivo do emirado nessa ilha de 850 quilômetros quadrados é econômico e estratégico. A idéia é construir um imenso porto, conectado por meio de trens ao Iraque, Arábia Saudita, Irã e Turquia. É um projeto fundamental para o Kuait que sonha em se transformar em um centro comercial da região no futuro.

Diferente dos demais emirados, os kuaitianos estão um passo a frente no processo político, pois vivem em um emirado constitucional. O país possui Parlamento e sua primeira Constituição foi aprovada e promulgada em 1962. Em junho do ano passado, as eleições parlamentares chocaram o país, pois resultaram em uma vitória da oposição. Com 2,5 milhões de habitantes, a renda per capita anual do Kuait chega a US$ 23.100 (no Brasil, são US$ 8.800). O país é rico, mas 50% do PIB, 95% das exportações e 85% da renda do governo está concentrado no petróleo. Por isso, o Kuait quer diversificar suas atividades e acredita que sua vocação é comercial e financeira.

Inspirado na fama do vizinho Dubai, o governo do Kuait tenta atrair bancos, seguradoras e outras empresas do setor financeiro. "A diversificação da economia é muito importante", diz Abdulwahab Mohammed Al-Wazzan, presidente do Kuait International Bank e membro do conselho da Câmara de Comércio do país.

Ele defende a privatização dos serviços públicos, como telecomunicações, saneamento ou postal. Mas, por enquanto, o tema não passa de uma discussão no país. Ainda não existem leis prontas ou possíveis empresas que seriam alvo de venda. Um investimento privado como a incorporadora Mabanee, que está construindo o gigantesco shopping, ainda é raro no país.