Título: Câmara acerta ao alvejar a contribuição sindical
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2007, Opinião, p. A14

Quase nunca o Congresso se opõe à enxurrada de projetos do Executivo, que comandam a agenda do Legislativo, mas a rebelião, ainda que esporádica, pode ser frutífera. Com apoio até mesmo de deputados da base governista, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda ao projeto de lei que regulamentará as centrais sindicais e tornou opcional a hoje obrigatória contribuição sindical, que corresponde a um dia do salário de todos os trabalhadores - uma herança da era Vargas. Caberá agora ao Senado, onde o governo não tem maioria, mudar o que a Câmara votou, ou ao presidente Luiz Inácio da Silva, um ex-sindicalista que sempre bradou em praça pública contra a contribuição, enfrentar o ônus do veto.

Ao contrário do que pregou em toda a sua existência, o Partido dos Trabalhadores não patrocinou nenhuma mudança na arcaica legislação sindical. O projeto de lei assumido pelo governo de Lula - um líder sindicalista que enfrentou na pele os ataques da estrutura sindical "pelega", nutrida pelo imposto sindical - reconhece a existência das centrais sindicais, mas deixa praticamente intacta toda a velha estrutura que delimita a organização dos trabalhadores. O texto do projeto consagra a "cessão" de 10% dos 20%, que vão normalmente para os cofres do Ministério do Trabalho, para as centrais sindicais. O bolo permanece o mesmo e aumenta-se o número de comensais. Com isso, perpetua-se um esquema que dá uma vida sem sobressaltos financeiros a uma vasta camada de burocratas sindicais que não têm muitos seguidores e não se esforçam em tê-los.

Se a medida da capacidade de sobrevivência das organizações dos trabalhadores é o aumento do número de associados, os sindicatos brasileiros em geral, com exceções, não se deram bem na tarefa. Mas um dinheiro coletado por uma contribuição compulsória, que atinge também trabalhadores não-sindicalizados, contribui para a existência de entidades inativas ou acomodadas. O mundo ficou mais difícil para os sindicatos e a modernização deveria acordá-los para os riscos que correm de se tornarem supérfluos. No Brasil, a modernização institucional foi truncada. As centrais sindicais bombardearam uma reforma das leis do trabalho, enquanto mantêm as velhas confederações sindicais, que talvez só tivessem algum sentido - e isso no plano meramente hipotético - caso houvesse contratos coletivos de trabalho nacionais e regionais. Sem isso, elas permanecem o que foram nas últimas décadas, um cabide de empregos pagos com o dinheiro público. A reforma trabalhista, que deveria caminhar junto com a sindical, foi arquivada em nome de interesses corporativos.

O fim do imposto sindical é uma bandeira que foi arquivada quando o PT chegou ao poder e líderes sindicais foram incorporados ao Estado. Os sindicatos devem ser auto-sustentáveis, mas não se prepararam para isso. Regras de transição devem ser criadas para evitar mudanças abruptas e e para aperfeiçoamentos que sanem as contradições do projeto - que manteve o caráter a compulsório das contribuições patronais.

Outra batalha justa será travada pelo Senado, que não aceita a pura e simples prorrogação da CPMF. A arrecadação cresceu bastante nos últimos anos, mas o governo petista - que foi contra sua criação - não quer nem mesmo uma redução modesta, ordenada e paulatina das alíquotas. O país tem uma carga tributária pesada e mal distribuída e a um governo que navega agora em uma onda de crescimento competiria ver de quais recursos pode abrir mão para tornar a expansão sustentável.

O governo não tem maioria no Senado e depois de terrorismo verbal se rende às evidências da negociação, bastante a contragosto. Por outro lado, a oposição tucana hesita sobre que caminho tomar, já que tem no comando dos Estados de São Paulo e Minas dois fortes pré-candidatos do partido à Presidência. Eles não querem perder repasses federais que atrapalhem seu programa de investimentos, uma parte importante de suas estratégias eleitorais. Esta hesitação, em um momento em que a aprovação da CPMF depende vitalmente da oposição, abre o caminho para mais um acordo que mantenha tudo como está. Haverá a promessa de cortes seletivos de outros tributos para setores específicos, selecionados com critérios duvidosos e que tornarão ainda mais caótica e injusta a estrutura tributária.