Título: Petróleo em alta e ecologia estimulam o bioquerosene
Autor: Nakamura, Patrícia
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2007, Empresas, p. B6

Sergio Zacchi / Valor Yokota, vice-presidente industrial da Embraer: "O consumo de combustível e a eficiência do vôo são fatores cruciais observados pelas companhias aéreas" Limitar a emissão de poluentes na atmosfera e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. A partir do ano que vem a indústria aeronáutica e as companhias aéreas vão intensificar os esforços para resolver essa delicada equação, promovendo os primeiros testes com bioquerosene. O novo combustível, de origem vegetal, está sendo desenvolvido por pelo menos uma dezena de empresas de biotecnologia ao redor do planeta. Uma delas é a cearense Tecbio, pioneira na produção de biocombustíveis e que possui convênio com a Boeing e com a Nasa desde meados do ano passado. A empresa está negociando uma parceria semelhante com a brasileira Embraer. A adoção do bioquerosene poderá movimentar bilhões, entre o cultivo da matéria-prima, construção de usinas de refino e logística. Fabricantes de turbinas como Pratt-Whitney e Rolls Royce também integram os estudos mundiais.

De acordo com a International Air Transport Association (IATA), as despesas com o querosene de aviação (QAV) em 2007 somarão US$ 132 bilhões em todo o mundo, e responderão por 28% dos custos operacionais das companhias aéreas. Com o preço do petróleo acima dos US$ 85 o barril, o setor teme que nos próximos anos esse peso possa ser ainda maior. O consumo de combustível neste ano deve bater na casa dos 100 bilhões de litros - para encher o tanque do colossal A 380, da Airbus, maior avião de passageiros do mundo, são necessários 310 mil litros de QAV. A queima de todo esse querosene faz a aviação civil ser responsável pela emissão de 500 milhões de toneladas de dióxidos de carbono, ou 2% das emissões globais, segundo estudo da Organização da International Civil Aviation Organization (ICAO). A previsão da entidade é de que o tráfego aéreo deverá crescer a uma taxa anual média de 4,6% até 2025, o que aumentaria ainda mais a fatia de responsabilidade na origem do aquecimento climático.

A Boeing programou dois testes em 2008, em parceria com a inglesa Virgin Atlantic e a Air New Zealand. Por e-mail, o departamento de meio ambiente da área de aviação comercial da Boeing informou que serão utilizados dois modelos 747-400. Uma das quatro turbinas do aparelho será totalmente movida a bioquerosene, enquanto as demais utilizarão o querosene comum. Os vôos não terão passageiros a bordo e servirão para medir o desempenho do combustível vegetal. A companhia americana não informou quanto está investindo no projeto.

Segundo o engenheiro químico Ayres Filho, coordenador do projeto de desenvolvimento tecnológico do bioquerosene da Tecbio, a expectativa é começar a utilizar o combustível daqui a cinco anos, misturado ao QAV. "Provavelmente os tanques vão contar com apenas 10% de bioquerosene, mas o percentual poderá subir ao longo do tempo", afirmou o pesquisador. Um dos atuais entraves à adoção do bioquerosene é a falta de lavouras e de usinas para a produção em larga escala do combustível.

Vegetais como palma, babaçu, soja, entre outros, estão sendo avaliados pelos pesquisadores ao redor do mundo. Brasil, Estados Unidos e Ásia lideram as pesquisas e cada um deve adotar matriz própria para produção em massa, de forma a reduzir os custos com o transporte do combustível. Mas todos eles devem receber o crivo da IATA para serem utilizados. Como será produzido em quantidade reduzida, o novo combustível poderá ter preços elevados nos primeiros anos. "Não haverá uma especificação única", disse Filho. A Tecbio é presidida pelo engenheiro químico Expedito Parente, dono da primeira patente mundial de um bicombustível.

Os testes preliminares, feitos em laboratório, mostram que a performance de um motor é cerca de 10% menor quando movido totalmente a bioquerosene. Associado ao QAV, esta perda se mostra bem menor - e, até ser adotado oficialmente, os pesquisadores poderão fazer aprimoramentos no combustível. Já os níveis de emissão chegam a ser entre 40% a 60% inferiores em comparação ao QAV, de acordo com Ayres Filho. Para a realização dos testes, a Boeing exigiu que os aviões não tenham nenhuma mudança estrutural. "O ideal é utilizar o bioquerose tanto em aeronaves novas como nas mais antigas", afirmou a Boeing.

No Brasil, os primeiros testes com o bioquerosene começaram na década de 80 e foram realizados pela Força Aérea Brasileira (FAB), mas foram deixados de lado, segundo Ayres Filho.

A brasileira Embraer está se preparando para realizar seus testes nos próximos doze meses, de acordo com Satoshi Yokota, vice-presidente Executivo de Desenvolvimento Tecnológico e Projetos Avançados. A empresa produz o Ipanema, primeiro avião movido a álcool. Há dois anos, a companhia realizou testes para avaliar a adoção do combustível em suas demais aeronaves, mas os resultados não foram satisfatórios. "A queima de combustível foi 30% superior em comparação ao QAV, o que inviabilizaria seu uso". Em termos práticos, um aparelho da empresa, capaz de fazer um vôo sem escalas entre São Paulo e Paris, seria obrigado a fazer uma escala na África para seguir viagem. "O consumo de combustível e a eficiência do vôo são fatores cruciais observados pelas companhias aéreas", afirmou. O executivo não quis detalhar se serão realizados vôos experimentais ou se os testes se limitarão à bancada dos laboratórios.

Segundo Yokota, a adoção do bioquerosene não é suficiente para a redução de emissões de poluentes. Ele lembra que as melhorias tecnológicas das aeronaves e o melhor gerenciamento do tráfego aéreo devem ser considerados. "Há um esforço monumental do setor para amenizar essa questão ambiental."