Título: Caderneta na alta roda
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2007, Investimentos, p. D1

Tal qual patinho feio quando é descoberto cisne, a caderneta de poupança deixou de ser rejeitada para virar uma alternativa de investimento mesmo para aqueles mais preocupados com rentabilidade. Os seguidos cortes da taxa de juros, até a estagnação da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), fizeram com que os ganhos dos fundos de renda fixa, CDBs e títulos do Tesouro Direto recuassem mais rapidamente do que o retorno da caderneta. Além disso, a isenção de imposto de renda sobre o ganho e o suporte do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para depósitos até R$ 60 mil sustentam o brilho da aplicação. A nova realidade faz aplicadores de porte perder o preconceito e olhar para a antes preterida alternativa.

Segunda dados da Caixa Econômica Federal, responsável por cerca de um terço dos depósitos na caderneta, o saldo médio dos aplicadores sobe repetidas vezes desde outubro do ano passado. Naquele mês, o saldo médio estava abaixo de R$ 2 mil. Em setembro, esse valor ficou em R$ 2.112, representando crescimento de 7% no saldo médio dos aplicadores desde outubro - considerado o rendimento da caderneta no período. Em setembro, a procura pela caderneta chegou a R$ 4,2 bilhões, valor inferior somente aos meses de dezembro, quando há o 13º salário. No ano, a captação supera R$ 19 bilhões e, em setembro, o saldo em caderneta chegou ao topo inédito de R$ 218 bilhões.

Ainda segundo a Caixa, a caderneta cresceu mais nos últimos anos principalmente por conta dos aplicadores de maior porte. De 2003 a abril deste ano, o número de aplicadores com saldo entre R$ 10 mil e R$ 15 mil subiu 2,11%; entre R$ 50 e R$ 100 mil, cresceu 13,35%; e o número daqueles com saldo de R$ 100 mil a R$ 200 mil avançou 16,63%. Isso indica procura por diversificação de investidor de varejo de alto porte, diz Fabio Lenza, vice-presidente de Pessoas Físicas da Caixa. "Antes, tínhamos mais aquele pequeno poupador, que guarda a sobra de recursos para um gasto futuro, mas agora vemos na caderneta também o investidor, que usa a aplicação como um dos ativos do portfólio para ter segurança e rentabilidade." Lenza não aconselha aos investidores migrarem totalmente para a caderneta, só para diversificar.

A captação total da caderneta ainda está aquém das aplicações em CDBs e fundos de investimento, que receberam, respectivamente, R$ 28,0 bilhões e R$ 53,4 bilhões no ano, até setembro. Contudo a situação da caderneta com relação aos fundos e ao CDB é muito melhor do que em anos anteriores. Em 2006, a poupança captou R$ 6,5 bilhões, menos de 10% o valor que fluiu para os fundos e um quarto do que foi aplicado nos CDBs. Em 2005, quando a taxa Selic chegou a 19,75% ao ano e fundos viraram sensação, a caderneta teve R$ 2,7 bilhões em resgates.

Embora os CDBs tenham captado mais, está ocorrendo com esses títulos o oposto do que acontece com a poupança. Em janeiro de 2006, o volume de depósitos acima de R$ 50 mil estava em 36,5% do total, mas esses aplicadores perderam espaço para os investidores menores. Em setembro, a participação dos grandes aplicadores no CDB caiu a 25,9% das emissões, segundo dados da Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip).

Neste ano, quando comparada à procura dos fundos de perfil mais conservador, a caderneta é, de longe, preferida. Os DI têm saques líquidos de R$ 12,1 bilhões no ano, segundo a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), e os fundos de renda fixa e curto prazo juntos recebem R$ 13,4 bilhões até setembro.

A maior procura pela caderneta tem suas razões. No ano passado, a tradicional aplicação apresentou rendimento de 8,33%, equivalente a 55% da variação de 15,04% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) - índice de referência das aplicações em renda fixa. Ao longo deste ano, porém, a caderneta rende 65% do CDI. Até setembro, ela apresentou alta de 5,85% e o CDI subiu 8,96%. Isso quer dizer que a caderneta - corrigida pela Taxa Referencial mais 0,5% ao mês - já rende mais do que muitos fundos de renda fixa e DI com taxa de administração alta, acima de 2%, 3% ao ano, principalmente em prazos mais curtos, quando o imposto de renda das demais alternativas de investimento é maior. Na maior alíquota, de 22,5% de IR em prazo de até seis meses, até um fundo com taxa de 1,5% ao ano pode render abaixo da poupança, diz Lenza, da Caixa.

O crescimento da captação e do saldo médio da caderneta é principalmente resultado de atitudes como a do professor de finanças e vice-chefe da Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Paulo Romaro. Há cerca de um ano, ele passou a depositar todos os recursos disponíveis para investimentos na boa e velha caderneta de poupança.

Romaro é bastante diferente do perfil daquele poupador de baixa renda tradicional da caderneta. Além do indiscutível conhecimento sobre finanças, Romaro já é um aplicador experiente. "Tenho dinheiro na bolsa, apliquei meu FGTS na Vale do Rio Doce e possuo papéis do Tesouro Direto, mas minhas aplicações mais recentes vão sempre para a caderneta."

O professor de finanças diz que, aos 47 anos, tornou-se mais conservador e não quer mais as oscilações dos outros investimentos. "A caderneta me oferece um bom e estável rendimento mensal, sem imposto", comenta. "Pode não ser a melhor opção para todos, mas cai como uma luva para quem é mais conservador."

Por conta da elevada taxa de juros, antes Romaro achava absurdo aplicar na caderneta e não aproveitar o retorno alto dos fundos. Para ele, os cortes na Selic e as ainda elevadas taxas de administração cobradas pelos fundos de renda fixa tornaram-os interessantes agora apenas para investimentos mais altos. "O mesmo ocorre com a previdência privada, que tem um custo de carregamento é altíssimo."

De forma geral, os fundos DI, curto prazo e renda fixa perdem muito dinheiro recentemente. As três categorias tiveram resgates líquidos de R$ 18,5 bilhões de julho a setembro deste ano, segundo dados do site Fortuna. "Não há dúvida que, para investir no curto prazo, a caderneta seja a melhor opção atualmente", diz Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. Não dá para comparar uma isenção de imposto de renda com 22,5% de IR no curto prazo, comenta. "Talvez sejam os aplicadores de mais alta renda que estão percebendo isso melhor", diz D'Agosto.

Há alguns meses, o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou as regras para o cálculo do retorno da caderneta de poupança com a intenção de conter essa vantagem comparativa que ela ganhou perante os fundos. As normas foram ajustadas para que a aplicação oferecesse sempre uma rentabilidade de 65% do CDI - como ocorre com o valor acumulado no ano. No entanto, ainda assim, a caderneta oferece retorno melhor quando se trata de aplicação de curto prazo em fundos de renda fixa com altas taxas de administração ou CDBs com retornos mais baixos - em geral oferecidos para a baixa renda. "Isso não mudará muito se a Selic voltar a cair, subir ou permanecer estável, portanto, a competitividade da caderneta com os fundos permanece", diz Lenza. "A caderneta é uma interessante ferramenta para diversificação de investimento, para receber aquela parcela mais conservadora, de curto prazo e menor tolerante a oscilações e riscos", completa.