Título: TCU investiga o Luz para Todos
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2007, Brasil, p. A3

Utilizado na propaganda de campanha do presidente Lula à reeleição, o Programa Luz para Todos está sob investigação no Tribunal de Contas da União (TCU) que quer apurar se empresas estão turbinando informações sobre atendimentos à população para obter recursos públicos e se alavancar no mercado financeiro.

O objetivo do Luz para Todos é garantir a universalização no atendimento de energia elétrica à população até o final de 2008. As concessionárias captam parte dos investimentos junto ao governo (aproximadamente 10%) e repassam outra parte (de 10% a 15%) às tarifas cobradas dos consumidores. O problema é que a fiscalização sobre o número de residências e estabelecimentos comerciais que teriam recebido instalações de luz elétrica, em cidades de localização remota no interior do país (os chamados "grotões"), depende praticamente da boa vontade das empresas em repassar essas informações. Logo, há o risco de as empresas divulgarem um alto número de pontos atendidos e, com isso, não só garantir a continuidade no recebimento de recursos públicos do programa, mas também se alavancar no mercado financeiro.

As investigações do TCU correm em três Estados diferentes e todas estão sob sigilo. O Valor teve acesso a um destes processos envolvendo o Estado do Maranhão. Lá, a Centrais Elétricas do Maranhão (Cemar) já teria captado R$ 350 milhões para fazer 104 mil novas ligações de energia elétrica, mas o TCU investiga a falta de pelo menos 50 mil ligações. E também casos inusitados, como a instalação de linhas de transmissão de energia em currais, prédios abandonados e em estabelecimentos que já dispõem de luz elétrica.

De acordo com informações do processo no TCU, em alguns municípios, o número de ligações do Luz Para Todos é maior do que o de consumidores. Em Pedro do Rosário, existiam 1027 consumidores conectados ao sistema em dezembro de 2006, mas a Cemar teria realizado 1426 ligações. Em Belágua, teriam sido feitas 689 ligações através do programa, mas o número de consumidores é de 597.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a Cemar atendia a exatos 1.251.802 consumidores em 31 de dezembro de 2006. Em seu balanço, a empresa lista 1.348.877 consumidores - diferença de 97.075 clientes atendidos. Antes do Luz para Todos, em dezembro de 2004, a Cemar atendia a 1,19 milhão de consumidores. A empresa precisava chegar a 1,3 milhão em dezembro de 2006. O site da Aneel informou apenas 1,25 milhão de atendimentos, o que tiraria a Cemar da meta.

A Cemar justificou o fato à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alegando que a Aneel não atualizou corretamente os dados. A empresa é controlada pela Equatorial Energia, que pretende migrar seus papéis na Bolsa de Valores de São Paulo para o Novo Mercado, até dezembro, o que aumentaria a possibilidade para investir em fusões e aquisições no futuro.

As investigações do TCU no Maranhão tiveram início após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores das Usinas Urbanas do Estado. Trata-se de uma entidade descontente com a empresa, principalmente após a privatização, em 2004, quando a empresa demitiu 1,2 mil funcionários. O sindicato queixa-se de que a empresa contratou 800 em seguida, mas teria alterado o sistema de remuneração e passou a usar serviços terceirizados.

Após a denúncia do sindicato, o TCU ouviu órgãos e empresas oficiais com atribuição de fiscalizar o número de ligações feitas pela Cemar no âmbito do Luz para Todos. Em sucessivos ofícios ao tribunal, todos defenderam os números da Cemar. Mas todos estes órgãos fiscalizadores disseram que os números de instalações de luz elétrica são encaminhados a eles pela própria concessionária.

O Ministério das Minas e Energia informou, em 2 de agosto passado, que os dados da Aneel estavam desatualizados, pois teriam sido feitas 110.706 ligações no âmbito do programa de 2004 até julho deste ano, em números repassados pela Cemar.

A Aneel respondeu ao TCU, em 7 de agosto, e também referendou os números da Cemar. A agência admite que o número de consumidores pode sofrer oscilações, pois depende da decisão de cada consumidor de continuar contratando os serviços da distribuidora ou não. E ressalta que os números parciais de cada município são repassados pela própria concessionária. Ou seja, a agência não faz inspeções "in loco" para verificar se o que a concessionária está dizendo é verdade ou não. "Todos os meses as empresas de distribuição devem informar para a Aneel o número de unidades consumidoras", diz o documento assinado pelo diretor-geral, Jerson Kelman.

As inspeções "in loco" deveriam ser feitas pela Coordenadoria Estadual do Programa Luz Para Todos no Maranhão. Este órgão, contudo, informou ao TCU, em 8 de agosto que, apesar de realizar viagens pelo Estado, não dispõe dos dados sobre o número real de consumidores porque o programa "restringe-se somente à zona rural".

O ofício, assinado pelo coordenador Luiz Adriel Vieira Neto, diz que cabe à Cemar prestar essas informações. E argumenta que nunca recebeu denúncia de que uma ligação não teria sido instalada. "Durante todo o período em que estamos na coordenação (desde outubro de 2005), já andamos muito, praticamente em todos os municípios, acompanhando obras, visitando comunidades atendidas, recebendo prefeitos, vereadores, representantes de sindicatos, associações e pessoas de um modo geral e nunca recebemos denúncias ou reclamações de que nos registros do órgão executor existem comunidades relacionadas como eletrificada e que na realidade não o fora", diz ele.

A Cemar respondeu ao TCU em 6 de agosto e afirmou que a apuração dos indicadores de continuidade na prestação dos serviços não representa de forma precisa o número de unidades consumidoras ativas da empresa, "pois a mesma não é objeto de atualizações contínuas". "A melhor fonte para informações referentes ao número de unidades consumidoras ativas é a comercial, a qual é objeto de atualizações mensais. Todavia, mesmo esta base, a comercial, carrega imperfeições", diz o ofício da Cemar.

A empresa diz que o Ministério e a Eletrobrás fazem inspeções físicas e financeiras no programa. E ambos disseram ao tribunal que usam os dados da própria Cemar.

O TCU investiga ainda a denúncia de que o Luz para Todos teria sido fraudado pela Construtora Gautama, no Piauí, investigada pela Polícia Federal pela suspeita de liderar esquemas de fraudes em obras públicas. O terceiro Estado investigado está sendo mantido sob sigilo pelo tribunal.