Título: BC vai ao mercado futuro para atenuar queda do dólar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2005, Opinião, p. A12

O Banco Central começou a se mover para tentar escapar da armadilha cambial criada por sua política de juros altos, por superávits comerciais recordes e contas correntes positivas. Esses três fatores têm inundado de dólares o restrito mercado de câmbio e a eles se soma uma pressão baixista generalizada sobre a moeda americana nos principais países emergentes. O BC agora vai atuar no mercado futuro na ponta compradora para tentar desmontar a avalanche de posições vendidas, que estão jogando para baixo o câmbio no mercado à vista. A aposta tem limitações - a meta de inflação é o mais óbvio - mas pode trazer vantagens em relação ao imobilismo do BC. O sinal de alerta para a valorização do real veio quando sua cotação encostou nos R$ 2,60, a menor desde junho de 2002. O governo aproveitou o momento para em um espaço de menos de um mês captar em bônus da República 500 milhões de euros e US$ 1,25 bilhão para cumprir seu cronograma de desembolsos para o pagamento de dívida em 2005. Bem-sucedidas, as captações derrubaram ainda mais o dólar, apesar da aceleração da política de compras do BC e do Tesouro, que chegaram a US$ 2,6 bilhões em dezembro e US$ 2,5 bilhões no mês passado. Mesmo com esses volumes significativos de aquisições, o real continua se apreciando. A valorização do real foi acentuada pela ação dos investidores, que despejaram US$ 3,6 bilhões em apostas no mercado futuro contra o dólar (posição vendida). Essa via de mão única nos futuros joga para baixo o dólar no mercado à vista, onde outros US$ 2,7 bilhões caminham no mesmo sentido, o da venda. O grande atrativo do jogo, para os investidores, são as maiores taxas de juro reais do mundo. O BC resolveu inverter suas posições tradicionais e levar suas compras também para o mercado futuro, para neutralizar os efeitos sobre o mercado à vista das posições vendidas no futuro. Ele vai assumir a compra de dólares, pagando pelos contratos de swap a taxa Selic e se apropriando da variação cambial. Quando o dólar disparou em 2002, o BC entrou na outra ponta, oferecendo proteção (hedge) às empresas - pagando a variação cambial e recebendo juros. Agora, vai casar a oferta de swaps nos novos leilões com o cronograma de vencimento das operações de swap já existentes - um estoque estimado em torno de US$ 10 bilhões. É óbvio que a capacidade de influir nas cotações será tanto maior quanto maior for a oferta de contratos por parte do BC. Na estréia do sistema, ontem, o BC aceitou apenas 8 mil contratos - a demanda de mercado chegou aos 68 mil - no valor de US$ 387,8 milhões. Os analistas de mercado consideraram o volume baixo e as cotações do dólar praticamente não reagiram. Há algumas vantagens na nova tática do BC. A política de compras já estava trazendo uma preocupante expansão monetária e obrigando o governo, para esterilizar os reais lançados em circulação pela aquisição de dólares, a emitir títulos públicos que pagam juros elevados. Essa política foi praticada no início do Plano Real para acumulação de reservas e se tornou uma das maiores responsáveis por a dívida interna ter se multiplicado por dez, em termos nominais, no governo de Fernando Henrique. Hoje o contexto é bem diferente, mas o problema é semelhante. O recurso às operações no mercado futuro são liquidadas por diferença e o desembolso monetário é uma fração pequena dos valores dos contratos. Se a ação do BC der certo, ele retira parte da pressão sobre a enorme dívida pública tanto pela menor necessidade de emitir títulos para esterilizar reais como pela redução absoluta da dívida atrelada à variação cambial. O BC, entretanto, está amarrado pela meta de inflação. Não pode - e provavelmente não quer - ser agressivo para recolocar o real na rota da desvalorização. A queda do dólar tem prestado bons serviços na contenção da inflação, que para o BC terá de se enquadrar no ambicioso objetivo de 5,1%. Se fazer os preços convergirem para essa meta com a atual taxa de câmbio já é difícil, isso se tornará impossível com abruptos deslocamentos para cima da taxa de câmbio. O problema é que os juros altos, no atual ambiente, contribuem para a apreciação do real. Os novos expedientes que o BC têm usado servem tão somente para atenuar os desequilíbrios por eles causados e sustentá-los nos níveis desnecessariamente elevados em que se encontram. Interromper o ciclo de alta do custo do dinheiro seria uma maneira mais sensata, e mais econômica, de atacar a derrocada do dólar.