Título: Garantia de saúde para as gerações futuras
Autor: José Tadeu Alves
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2005, Opinião, p. A12

A questão das patentes de medicamentos ganhou, recentemente, grande destaque no debate público em nosso país. Muito se critica - inclusive com forte componente emocional --, pouco se esclarece, e somos constantemente assombrados pelo risco de ver uma idéia errônea predominar na opinião pública: a de que as patentes são a principal barreira ao acesso a medicamentos. Defendo - e argumento - que as patentes são um elo fundamental no ciclo virtuoso da pesquisa de medicamentos. Defendo que, sem a existência de um sistema de patentes efetivo e eficaz, corremos o sério risco de negar às gerações futuras o benefício de novas drogas, capazes de salvar vidas. Defendo que proteção às patentes é fator essencial no desenvolvimento econômico e social do Brasil, principalmente para as empresas de capital nacional. As distorções se iniciam quando se afirma que as patentes elevam o preço dos medicamentos, tornando-os inacessíveis à grande maioria da população mundial, sobretudo à que vive em países em desenvolvimento. Estudo publicado recentemente na revista internacional "Health Affairs" concluiu que apenas 1,4% dos produtos incluídos na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde seriam teoricamente patenteáveis - o que não significa, no entanto, que estejam patenteados. Assim, como se pode afirmar que as patentes impedem o acesso a medicamentos em países em desenvolvimento, se elas inexistem em 98,6% dos casos? No Brasil, a maioria dos medicamentos para tratar doenças crônicas mais comuns tampouco tem patente e, embora o custo diário de tratamento represente menos de R$ 1,00, ainda assim são inacessíveis à grande maioria da população. Outra idéia equivocada refere-se à associação das patentes a um "monopólio" por determinada indústria farmacêutica. A patente conferida a determinado produto não pode, sob hipótese alguma, ser traduzida como uma exclusividade ao tratamento de certa doença. Basta considerar o número de opções de que dispomos para tratar diferentes patologias. No Brasil, por exemplo, há mais de 200 opções diferentes para tratar a hipertensão e mais de 300 diferentes alternativas de antiinflamatórios. Se, por um lado, defendo que as patentes não são a causa do acesso limitado a medicamentos, volto à minha afirmação inicial de que essas são extremamente necessárias para garantir o ciclo de desenvolvimento de medicamentos inovadores. Consideremos, como exemplo, a situação dos doentes de Aids. Todos temos acompanhado a atual controvérsia acerca do preço dos medicamentos para a Aids e as ameaças de licença compulsória (conhecida popularmente como "quebra de patente") sofridas pela indústria farmacêutica. O resultado dessa batalha pode ter efeitos, a longo prazo, mais negativos do que benéficos. Estudos publicados com freqüência em revistas científicas apontam para a grave questão da resistência aos medicamentos para o tratamento da Aids. Com o passar do tempo, um medicamento que até então era bastante eficaz para determinado doente pode deixar de sê-lo, confirmando a necessidade da constante descoberta e desenvolvimento de novas drogas. A pesquisa de novas drogas para a Aids necessita de grandes investimentos. Estima-se atualmente que, para cada medicamento que chega ao mercado, são necessários cerca de US$ 900 milhões em investimento e mais de dez anos de estudos. Apesar desse cenário e da crescente necessidade de inovação, o desenvolvimento de novas drogas capazes de deter a epidemia do HIV / Aids está em constante declínio - uma redução de mais de 30% nos últimos anos.

É preciso acabar com a cultura da cópia e da pirataria e garantir a proteção à inovação e ao descobrimento

Alguns dos medicamentos hoje produzidos por laboratórios nacionais poderiam ser adquiridos a menor custo no mercado privado. O raciocínio é simples: qual o incentivo dado a uma indústria farmacêutica para que invista anos de estudos e uma quantia exorbitante na pesquisa e desenvolvimento de um medicamento que, tão logo chegue ao mercado, pode ser copiado sem esses investimentos por qualquer outro empreendedor? Poucos laboratórios multinacionais seguem dedicados à pesquisa no campo da Aids - seja por vocação ou por um senso de responsabilidade - mas o impacto que a discussão sobre preços e patentes tem sobre companhias menores, sobretudo na área de biotecnologia, já pode ser notado. Ninguém parece estar disposto a investir em uma área em que certamente não haverá retorno financeiro. Usei aqui o exemplo do HIV / Aids, mas asseguro que o raciocínio é verdadeiro e aplicável a qualquer área da economia - e não apenas na área de saúde. A qualquer investidor precisa ser assegurada a garantia da tentativa de recuperação de seus investimentos (e digo aqui "tentativa", pois no caso da indústria farmacêutica esse retorno ocorre apenas uma vez, para cada quatro medicamentos lançados). Durante o século passado, o Brasil teve um período de praticamente 50 anos sem proteção de patentes para medicamentos e, no entanto, nem uma única molécula foi descoberta no Brasil. Concluo, portanto, afirmando que as patentes não apenas são a causa da falta de acesso a medicamentos, mas condição indelével para que novos tratamentos cheguem ao mercado. Se quisermos garantir que as gerações futuras tenham acesso a drogas inovadoras e capazes de salvar vidas, é preciso que se incentive a pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos e não criar restrições que inibam a descoberta. Vale lembrar que após a recente aprovação da lei de patentes no Brasil, em 1996, houve também expressivo crescimento de novas descobertas no país Se queremos ser uma sociedade tecnológica, é preciso acabar com a cultura da cópia e da pirataria e garantir a proteção à inovação e ao descobrimento. As gerações futuras sem dúvida agradecerão por viverem com mais saúde e qualidade de vida.