Título: Colecionadores de selos
Autor: Damato , Marcelo
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2007, Empresa & Comunidade, p. F1

Para uma empresa ter sucesso, não bastam mais os ingredientes tradicionais, como qualidade, distribuição e preço. "Com a mudança do perfil dos consumidores, a responsabilidade socioambiental está se tornando de fato um diferencial competitivo", afirma Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (Gife), que reúne 108 associados, que investem cerca de R$ 1 bilhão por ano em projetos sociais e ambientais.

As empresas, cada vez mais, estão preocupadas em aplicar parte de seus recursos para melhorar as condições sociais e ambientais, mas sabem também que ganham com isso: muitos consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais por um produto que não agrida o ambiente ou que seja produzido de forma correta. A tendência é que a corrente de consumidores conscientes cresça ainda mais. Para conquistá-los, as empresas fazem esforços para garantir a obtenção de selos - concedidos por Ongs e entidades sem fins lucrativos -, que atestem seu comprometimento com diferentes aspectos da sustentabilidade.

O Instituto Akatu, que atua no desenvolvimento do consumo consciente, divide os selos sociais em cinco categorias: declarações espontâneas como a garantia de origem; ação de um setor empresarial como, por exemplo, o da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) de pureza de café; iniciativas de organizações não governamentais (ONGs) como a Empresa Amiga da Criança; oficiais como as do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e parcerias institucionais como o Forest Stewardship Council (FSC), garantia de origem e processo de madeira. "O que os selos têm em comum é a vontade de fazer algo na área socioambiental", afirma Helio Mattar, presidente do Akatu.

As outorgas são concedidas depois de uma inspeção de organismos independentes, conhecidos como certificadoras. O conceito de certificação é que uma relação comercial torna-se mais confiável se houver uma terceira parte, não envolvida no negócio, que avalize o cumprimento dos compromissos assumidos pelo vendedor. O ideal é que a empresa certificadora não seja a criadora das normas, que devem serdesenvolvidas por comitês formados por todos envolvidos: empresas, consumidores, acadêmicos e Ongs. Este é o caso, por exemplo, da fundação International Organization Standardization (ISO).

As certificadoras normalmente são corporações com escritórios espalhados pelo mundo e atuam como empresas de auditoria. Ao contrário dos selos, que podem ter custos baixos, as certificações são mais caras. Certificações da norma ISO 14000, protocolo ambiental, podem custar de R$ 30 mil para um escritório que ocupe uma sala até milhões de dólares para uma empresa de petróleo.

No Brasil, as certificações começaram por pressões externas. Muitos países, por mudança de hábitos de seus consumidores, passaram a exigir o cumprimento de normas sanitárias, ambientais, sociais e de governança corporativa dos países que exportam para seus mercados. Mas também surgiram iniciativas independentes. Um dos exemplos é o selo Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq. Esses é um dos selos mais "baratos" e ,ao mesmo tempo, mais caros do mercado.

Pelo selo da Abrinq, a empresa paga menos de R$ 200, mas precisa investir cerca de 0,1% do faturamento bruto em ações em prol da criança e do adolescente. Além disso, o selo vem aumentando o número de exigências para as empresas que querem mantê-lo. Elas já foram três, agora são dez. Por isso, muitas empresas perderam oa condição de amigas da criança. Há ainda casos de descredenciamento unilateral. Neste ano, uma empresa perdeu o selo por descumprimento dos compromissos e outra rompeu com dois fornecedores pelo mesmo motivo, conta Paulo Guimarães, diretor do Programa de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente da Abrinq.

Embora as empresas que recorrem a selos ou certificações socioambientais sejam ainda minoria, essa prática começou a se desenvolver de tal forma que começa a ser vista como um bom negócio, tanto para quem cria o selo como para quem quer estampá-lo em seus produtos.

"A responsabilidade social é realmente um bom negócio", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos. "Adotar práticas de boa governança costuma reduzir os custos das empresas e aumentar o comprometimento dos funcionários", destaca.

O compromisso socioambiental permite também a geração de novas tecnologias, porque aumenta a eficiência do uso de recursos naturais como eletricidade e água. Esse é o caso do selo Green Building, criado nos Estados Unidos, mas usado atualmente no mundo todo, outorgado a construções que adotam práticas como aproveitamento máximo da luz solar, tratamento de todo esgoto, reutilização de água para funções como irrigação de jardins e coleta seletiva de lixo. Já existem no Brasil prédios comerciais certificados e começaram a ser lançados os primeiros conjuntos residenciais. Luis Fernando do Valle, proprietário da Esfera Incorporadora, diz que fazer construções certificadas eleva os custos entre 5% e 20%. "Esse é um atrativo para a venda, mas o consumidor ainda não se mostra receptivo a aceitar esse aumento de custo. Ele fica para nós."

Este caso também é especial porque a empresa certificadora é brasileira. Newton Figueiredo criou a SustentaX, em 2005, quando percebeu que a preocupação com a sustentabilidade estava crescendo no Brasil. Hoje a SustentaX criou uma certificação própria para produtos que são fornecidos para a construção dos Green Buildings.

Os selos e certificações não se restrigem a produtos, estendendo-se a serviços. A Associação Brasileira de Leucemia e Linfoma (Abrale), criada há cinco anos, com o objetivo de padronizar o atendimento aos portadores da doença em todo o Brasil, conta com parcerias de entidades de classe como o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

Uma das ações da Abrale é encaminhar pacientes para hospitais que possam oferecer um tratamento adequado. Segundo dados da ONU, a média mundial para a cura da doença chega a 75% em casos de diagnóstico precoce. No Brasil, a taxa não passa de 45%.

Além de doação de dinheiro para receber o selo, a empresa tem que se comprometer a fazer campanhas de doação de sangue e de medula óssea. A presidente da Abrale, Merula Steagal, afirma que a entidade participa de todas as campanhas. Na fase de pré-lançamento, 50 empresas aderiram ao programa. Para o vice-presidente do Ciesp, Rafael Cervone Netto, as empresas têm interesses em atuação social e a parceria é mais um dos caminhos.

O resultado é que começaram a surgir selos de todos os tipos. "Existem empresas que realmente querem fazer alguma coisa e outras que buscam apenas ficar com uma boa imagem diante dos consumidores. Tem de tudo", analisa Fernando Rossetti, do Gife.

"O que eu vejo é o consumidor um pouco perdido diante de tantos selos", afirma Young. "A tendência é o número de selos e certificações diminuir, por meio da unificação de critérios", acrescenta Mattar. "Isso já está acontecendo nos Estados Unidos. Havia uma profusão de selos. Os charlatães, aqueles que entregam selo apenas em troca de dinheiro, estão aos poucos desaparecendo. Está sobrevivendo apenas quem é sério", completa Rossetti.

Mas mesmo esses não estão a salvo de percalços. Um dos selos mais respeitados do mundo é o FSC, organização criada em 1994 e com representantes de dezenas de países, há algumas semanas está sob fogo cruzado, depois que uma reportagem mostrou que uma madeireira que está fazendo estragos na floresta da Indonésia tinha seu certificado.

"Certificação não é uma panacéia. É uma peça de um mosaico, que inclui o olho do consumidor, a mídia e o marco regulatório legal. A certificação faz avançar o marco, mas não o substitui. O papel da mídia é o olhar crítico de todos os processos", ressalta Young.

Oswaldo Lucon, assessor do secretário paulista do Meio Ambiente, Xico Graziano, diz que "há muitas empresas certificadas com passivos ambientais sérios. Isso deveria ser tornando mais claro para os consumidores."

A razão da mudança de comportamento dos consumidores é que nunca eles tiveram tanta informação. Cervone Netto conta que tem um sobrinho, de oito anos, que adora macarrão com atum. Quando ele vai à casa da avó, a comida é quase sempre essa. Um dia, disse que não queria mais. Aprendera na escola que os barcos que pescam atum matam os golfinhos que pegam na rede. Mas se aparecer um selo garantindo que os pescadores de atum não matam golfinhos, pode ser que ele volte a comer.