Título: Jobim quer flexibilizar licitações para Defesa
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Brasil, p. A3

Ruy Baron/Valor Nelson Jobim, ministro da Defesa: setor privado nacional precisa ter compromisso de desenvolver tecnologia As indústrias consideradas estratégicas para a defesa nacional deverão ter tratamento especial em licitações, e excluídas da regra que obriga o setor público a dar preferência aos fornecedores com menor preço, informou ao Valor o ministro da Defesa, Nelson Jobim. As medidas pretendem promover criação de tecnologia de defesa no país, e deverão fazer parte da estratégia nacional de Defesa, cujas definições principais Jobim quer concluir em até 45 dias. Pela primeira vez desde a criação do ministério, haverá um plano integrado de operações e equipamentos das três forças armadas.

"Teremos de ter uma política de compras públicas, com flexibilização de licitações, e é isso que estamos examinando", informou o ministro. Ele quer ter, em março, as linhas gerais da política industrial de defesa, e não descarta o envio de um projeto de lei ou medida provisória para as mudanças. O prazo final para anunciar a nova política de Defesa é 7 de setembro de 2008.

Antes, porém, ele considera necessário concluir o trabalho do comitê criado pelo governo em setembro para propor uma política nacional de Defesa para o país. Jobim e o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, também querem criar, no BNDES, condições de financiamento para as indústrias do setor, que hoje se ressentem da falta de instrumentos de garantia e de crédito para capital de giro, especialmente nas encomendas ao governo.

O governo já recebeu, do setor privado, uma proposta de projeto de lei com mudanças na legislação para favorecer as empresas instaladas no país e dirigidas por brasileiros, nas compras de produtos com similares no país. O projeto, elaborado por um comitê especial designado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com participação de empresários, de representantes das Forças Armadas e de outros setores do governo, sugere mudanças na atual lei de licitações, a 8.666, para garantir o desenvolvimento de tecnologia de defesa.

Pela proposta da Fiesp, o governo, nas compras das Forças Armadas, terá de dar preferência ao fornecedor no país; e, quando não houver produto fabricado no Brasil, mas houver empresas com competência para fabricá-lo, deve ser mantida a preferência. Nos casos em que só uma empresa estrangeira é capaz de fornecer o produto ou serviço desejado, a compra será com o fornecedor estrangeiro, que terá, porém, de comprometer-se com algum tipo de transferência de tecnologia, o chamado off-set.

"O critério de menor preço não pode ser o principal, quando se fala de defesa", argumenta o presidente do Comitê da Cadeia Produtiva da Defesa da Fiesp, Jairo Cândido. "Indústria de defesa e Forças Armadas são duas faces da mesma moeda, devem ser vistas como uma questão de soberania", argumenta, citando exemplo da Argentina, que teve dificuldades técnicas para usar mísseis importados na Guerra das Malvinas, contra a Inglaterra. No setor, especialistas citam casos como o do Chile, que não teve permissão para comprar mísseis que equipariam seus caças F-6, comprados dos EUA.

"O Brasil deve ter condições de, eventualmente, pagar para o produtor nacional um preço mais caro para determinado tipo de produto, desde que esse setor privado nacional tenha compromisso de desenvolver sua tecnologia", concorda Jobim. Essa política, segundo comenta, poderia até, em casos limite, chegar a setores mais presentes na vida civil, como fabricantes de uniformes. "Será que não é interessante estimular o setor têxtil no país?" sugere. "O único jeito de incorporar a Defesa na agenda nacional é acoplar essa questão à questão do desenvolvimento", acredita. "Vamos elaborar e apresentar nossa proposta de estratégia nacional de Defesa vinculada à uma estratégia de desenvolvimento em longo prazo, vinculado ao desenvolvimento de tecnologia."

Jobim esclarece que a decisão sobre compras de equipamentos das Forças Armadas dependerá de definição anterior, inédita no país: a política nacional de Defesa fixará prioridades e objetivos das ações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, de forma coordenada, para evitar duplicação de esforços. "Hoje a definição dos equipamentos decorre de uma situação já constituída historicamente, tanto que se fala em reaparelhamento", diz. "Os equipamentos dependem da existência do plano estratégico; não se pode inverter a regra."

A forma de "flexibilizar" a lei 8.666 ainda depende dos estudos do comitê do governo, adianta. A legislação atual já permite que o governo ignore a regra do menor preço para produtos que envolvam "cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional". Em alguns casos, porém, há interesse em estimular fornecedores nacionais de componentes de tecnologia pouco complexa, como uniformes e munição, argumenta o ministro.

"Hoje temos pessoal qualificado e bem preparado, mas não temos equipamento", diz o Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do ministério, general José Benedito de Barros Moreira. "Nossas empresas também podem ser as primeiras no mundo, desde que haja incentivo para produção e venda aqui", defende ele. O general Barros Moreira endossa as queixas dos empresários nacionais, que criticam vantagens para os fornecedores estrangeiros de equipamentos bélicos, isentos, por exemplo, de impostos pagos pelos concorrentes nacionais.

O governo terá de decidir maneiras de cobrir deficiências, como a proteção inadequada do espaço aéreo nacional, alerta o general. Ele defende que, a exemplo do que ocorre com a Petrobras, que paga royalties para financiar a Marinha, grandes parques industriais ou empresas estratégicas, como a hidrelétrica Itaipu, destinem parte de seus lucros às Forças Armadas, para financiar, por exemplo, a manutenção de baterias anti-aéreas perto de suas instalações. O custo desses equipamento chega a US$ 50 milhões anuais, e a sociedade tem de discutir se está disposta a pagar esse preço, argumenta o general, que, nos dias 5 e 7 de novembro, realiza mais um seminário fechado com empresários da indústria de defesa para mapear as necessidades do setor.