Título: Câmbio e gasto público seguram alta maior do PIB
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Brasil, p. A5

O Brasil ainda não parece preparado para crescer 5% ao ano por longos períodos, mas uma expansão de 4% a 4,5% nos próximos anos é tida como perfeitamente factível. O aumento dos gastos públicos, a interrupção da queda dos juros e o impacto negativo do câmbio valorizado podem atrapalhar um avanço mais rápido do Produto Interno Bruto (PIB), mas não a ponto de abortar o atual ciclo.

Os analistas mais ortodoxos não se cansam de apontar defeitos na política fiscal. Com o aumento exagerado das despesas públicas, há uma pressão permanente por elevação da carga tributária e contenção do investimento público, diz o economista Alexandre Mathias, da Unibanco Asset Management (UAM). O ponto é que esse mix fiscal ruim não é suficiente para colocar em risco o ciclo de crescimento que já dura 22 trimestres, reconhece o próprio Mathias.

No curto prazo, a política fiscal tem cumprido a função de reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB, importante indicador de solvência. "A política de aumento de gastos não aborta a expansão, embora a limite", afirma ele, estimando que o crescimento potencial - aquele que não causa pressões inflacionárias relevantes - do país está em 4,2%. Com impostos tão pesados e investimento em infra-estrutura tão baixo, o que acontece é que esse número não sobe para 5% ou 6%, como seria desejável.

A interrupção da trajetória de queda dos juros, definida pelo Banco Central (BC) na semana passada, tampouco deve causar grandes estragos sobre o ritmo de crescimento, embora alguns analistas acreditem que há o risco de algum impacto negativo sobre o investimento. É o caso de Bráulio Borges, da LCA Consultores, para quem pode haver algum arrefecimento da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) se os juros ficarem parados por um tempo razoável. Mas nada que jogue por terra o atual ciclo, avalia ele.

Para o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN AMRO, a manutenção da Selic não vai abortar a expansão do PIB. Ele diz que alguns cortes anteriores dos juros ainda não tiveram impacto sobre a atividade, e aposta em aceleração da demanda privada (consumo das famílias e investimento) nos próximos meses.

Segundo suas estimativas, se os juros reais ficarem em 7%, a demanda privada estará crescendo a um ritmo de 8% no primeiro trimestre do ano que vem, para depois se acomodar na casa de 7%. Nos quatro trimestres terminados em junho, ela acumulou avanço de 6,2% em relação aos quatro trimestres anteriores. "Manter os juros não será um tiro no pé", afirma ele, que vê descompasso entre a expansão da demanda e da oferta. Para Borges, o investimento e as importações em alta são suficientes para impedir que a atividade econômica cause problemas inflacionários relevantes.

Outra fonte de preocupação é o câmbio excessivamente valorizado. Desenvolvimentistas como o consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, temem o impacto do dólar barato sobre setores exportadores e dos que sofrem no mercado interno com a concorrência do produto importado, principalmente da China. As exportações já não mostram mais o mesmo dinamismo dos anos anteriores, especialmente as de produtos manufaturados. Por conta disso, o Iedi tem alertado para os riscos de desindustrialização prematura do país.

O desempenho da produção industrial, porém, não confirma esse temor. Após um 2006 pífio (alta de 2,8%), a indústria acumula crescimento de 5,3% de janeiro a agosto, com destaque para bens de capital, com alta de 17,6%, e bens duráveis, com aumento de 6,9%. (SL)