Título: Decisão do STF contraria opções eleitorais
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Política, p. A6

Nas disputas para a Câmara federal, os eleitores votaram mais em branco ou nulo do que diretamente nos partidos. Tanto no período de 1945 a 1962, como no pós-ditadura, a contagem dos votos de legenda, brancos e nulos indica que a dinâmica eleitoral caminha em direção ao personalismo - e vai em sentido oposto ao entendido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que decidiram que o mandato é do partido, não do parlamentar.

Na primeira eleição do período de redemocratização, em 1986, foram 28,1% de votos brancos e nulos e 13,9% de votos na legenda. A preferência por anular o voto ou deixá-lo em branco aumentou em 1990, quando chegou a 43,7% e o em legenda foi 18,3% do total. Na eleição seguinte, em 1994, a diferença foi ainda mais gritante: 41,7% anularam o voto enquanto 8,3% escolheram votar no partido. A tendência só se inverteu em 2002, quando 9,9% dos eleitores votaram na legenda e 7,6% em branco ou nulo.

Os dados fazem parte do estudo "O mandato é meu: a infidelidade partidária dos Deputados Federais Brasileiros de 1999 a 2006", elaborado por Vanessa Campagnac (Escola Nacional de Ciências Estatísticas) e Rafael Chaves Ferraz (Universidade Federal Fluminense). O trabalho será apresentado no 31º encontro anual da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que começa hoje.

Um dos itens que podem prejudicar o voto em legenda é a coligação partidária, dizem os autores. A chapa eleitoral não deixa claro qual é o partido em que se está votando. Mesmo quando o eleitor elege um partido essa decisão não está descolada de um candidato. "O voto é personalista e as coligações atrapalham na decisão do voto. No interior há coligações com até 15 partidos, das mais diferentes ideologias", afirma o pesquisador Rafael Ferraz. É assim que a decisão da Suprema Corte opõe-se à tendência demonstrada por eleitores nas últimas eleições. "O voto não é direcionado aos partidos por parte significativa do eleitorado", explicam.

No Brasil, 30% dos parlamentares já trocaram de legenda. Destes, a maior parte pertence a partidos de direita, como o PL, PP, PTB e DEM. Em seguida aparecem os filiados em partidos de centro, como o PMDB. Os que menos mudam são os de esquerda, como o PT e PCdoB. Na legislatura de 1999 a 2002, por exemplo, 57,8% dos que mudaram eram de partidos de direita. Os de centro, 32,5% e os de esquerda, 9,7%.

A maior taxa de mudanças de legenda foi no período pós-redemocratização, entre 1987 e 1990, quando 34,7% dos deputados fizeram alguma troca de legenda. Esse número diminuiu de 1991 a 1998, mas no segundo governo de FHC aumentou para 30%. A tendência de crescimento foi mantida entre 2003 e 2006, quando chegou a 30,9%.

Na legislatura passada, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006), o PMDB foi o que mais recebeu políticos: 20% dos migrantes. Em seguida aparecem PTB e PL. Na oposição ao governo petista, o DEM foi o maior prejudicado: teve quatro vezes mais desfiliações do que filiações.

As mudanças não são iguais em todo o país. A região Norte apresenta o maior número de parlamentares migrantes e, nas duas últimas legislaturas, Roraima foi o Estado que mais registrou trocas. Em sentido oposto, os sulistas são os mais fiéis.

O troca-troca partidário aumentou na última década. Dos que migraram entre 1999 a 2002, 80% trocaram de partido só uma vez. Na legislatura seguinte, aumentaram as trocas: 38,4% mudaram uma vez; 14,2 % , duas vezes e 5,2%, três vezes. Três deputados trocaram seis vezes.

Dentro do Congresso, a discussão sobre a migração já foi registrada em vários projetos de lei. Só entre 1995 e 1996, dois senadores e oito deputados federais propuseram leis nesse sentido. Entre os autores, José Serra (PSDB) e Pedro Simon (PMDB).

O autor do estudo não discorda da postura do STF e do TSE em decidir sobre questões do Legislativo. "Não acredito que isso vai ferir a escolha do eleitor. Ele vai continuar votando da mesma forma", ponderou. "A decisão tem mais um caráter simbólico e fará com que os políticos fiquem mais atrelados aos partidos." O grande problema, segundo Ferraz, é a aplicação das sanções. "A Justiça terá de analisar caso a caso e essa decisão pode levar muito tempo. Pode não dar em nada. A migração só mudará quando alguns parlamentares perderem o cargo e servirem de exemplo."