Título: ICMS devolvido será pequeno para população
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2007, Brasli, p. A6

A Nota Fiscal Paulista, programa do governo de São Paulo que pretende promover o pedido de nota fiscal por meio de vantagens oferecidas aos consumidores, pode decepcionar quem já está fazendo as contas levando em consideração a devolução de parte dos 18% pagos nas compras, na regra geral, a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O governo divulga que restituirá 30% do imposto recolhido pelo estabelecimento varejista. Nem todo mundo sabe, porém, que o imposto recolhido pelo varejista está muito aquém do total de ICMS que o contribuinte paga sobre as mercadorias compradas. Em uma compra de supermercado de R$ 350,00, por exemplo, o consumidor arca com um ICMS de R$ 47,70. O cálculo leva em consideração uma alíquota média de 12%, já que o carrinho do supermercado pode incluir também produtos incentivados que possuem alíquotas bem menores do que os 18% da regra geral do imposto.

Pelos cálculos da ASPR Auditoria e Consultoria, o crédito do contribuinte está bem aquém dos R$ 14,31 que correspondem aos 30% do ICMS de R$ 47,70. O crédito deverá ficar em torno de R$ 2,59. O estudo é uma estimativa e levou em consideração o faturamento e recolhimento de ICMS real de uma rede de supermercados.

A simulação da ASPR mostra que quem faz uma refeição de R$ 20 poderá ter um crédito de R$ 0,19. "Nesse caso, o programa poderá ser mais vantajoso vendo o consumo total de um mês", diz Pedro César da Silva, sócio da consultoria. Se ele fizer 22 refeições em um mês de R$ 20 cada, terá um volume de créditos de R$ 4,15 nos 30 dias. Em um ano, serão R$ 49,80.

O consultor lembra que compras grandes não garantem um crédito proporcionalmente maior da nota paulista. Quem acha que comprar um veículo pode garantir volume maior de créditos, por exemplo, está enganado. Um veículo de R$ 40 mil concede devolução de R$ 0,40. Bem longe dos R$ 5,45 mil de ICMS de 12% que os veículos pagam em São Paulo.

A discrepância entre o valor da mercadoria, do imposto pago e do crédito que será devolvido pode ser explicada pela forma como é calculado o ICMS. O contribuinte desse imposto é, sem dúvida, o consumidor final. Mas grande parte dele não é recolhido na operação de venda ao consumidor final, mas sim em etapas anteriores, distribuído em toda a cadeia não só de comercialização como também da fabricação de produtos. Por esse motivo, a devolução de 30% do ICMS recolhido pelo varejista fica bem aquém dos 30% pagos de imposto pelo consumidor final.

Os supermercados, que vendem e revendem as mercadorias sem agregar valores, por exemplo, recolhem, na prática, ICMS sobre valores próximos às suas margens e não sobre o valor total do produto.

No caso do veículo a discrepância é maior, porque o ICMS sobre carros está submetido à chamada substituição tributária. Isso significa que o veículo tem seu ICMS antecipado pela montadora. É ela que recolhe o imposto com base em um preço estimado de venda no varejo. A concessionária de veículos somente recolherá o imposto caso o preço de venda ao consumidor final esteja acima do que serviu como base pelo fabricante.

Silva explica que em função disso uma concessionária de veículos pode, num ano, faturar R$ 60 milhões e recolher apenas R$ 2 mil em ICMS à Fazenda Estadual. "Acontecerá uma distorção muito grande entre o crédito da nota fiscal paulista e o valor pago em impostos na aquisição do veículo, o que pode parecer injusto para o comprador." Silva lembra que os combustíveis, outro gasto que costuma ser freqüente para muitos consumidores, também têm o ICMS recolhido por substituição tributária, o que deverá garantir um crédito também pequeno.

A Fazenda de São Paulo confirma que produtos sujeitos à substituição tributária, como veículos e combustíveis, não geram recolhimento de ICMS pelo varejo, pois o imposto já foi pago por outros elos da cadeia produtiva. A secretária, diz, porém, que mesmo assim o consumidor terá créditos, porque peças e acessórios vendidos por uma concessionária, ou as mercadorias de loja de conveniência de um posto de gasolina, por exemplo, geram imposto (ICMS) a recolher. "O crédito tende a ser muito pequeno, já que a venda da loja de conveniência representa pouco das operações totais de um posto de gasolina", analisa Silva. O crédito de ICMS, lembra, leva em consideração o imposto recolhido pelo varejista e a proporção da aquisição do consumidor final em relação ao total de vendas do varejista.

O consultor lembra que o consumidor ainda corre o risco de não receber nenhum crédito pela compra. Isso porque os varejistas pagam o ICMS por um sistema de débitos e créditos do imposto. Por esse cálculo, o varejista calcula o ICMS devido depois de se creditar do imposto pago na mercadoria que irá vender. "Às vezes, o varejista adquiriu muito estoque em determinado período, o que pode dar origem a um volume de crédito maior do que o total de débitos. Nesse caso, não terá imposto a recolher e o consumidor não receberá nenhum crédito." Outra hipótese do consumidor ficar sem crédito é no caso de inadimplência. "Se o varejista atrasar por mais de dois meses o recolhimento do ICMS, o consumidor perde o crédito."

O consumo em alguns segmentos, porém, dá mais certeza de crédito. É o caso do fornecimento dos restaurantes, que não usam o sistema de débito e crédito sobre as refeições fornecidas. O ICMS é calculado em 3,2% do faturamento. Portanto, é um segmento que deve manter um recolhimento de imposto mais regular do imposto.

O programa da nota fiscal paulista entrou em operação desde outubro. Por enquanto, apenas restaurantes, padarias, bares e lanchonetes fornecem a nota já relacionada ao CPF do consumidor final. A partir de dezembro, entram os segmentos de saúde, esporte e lazer, no qual se incluem os brinquedos. O cronograma, que inclui também os supermercados, segue até maio de 2008.

Para quem acha que o incentivo em termos de crédito é pequeno, a Fazenda lembra que a cada R$ 100 em compras o consumidor poderá concorrer a sorteios. Nesse caso, a disputa será com mais de 10 milhões de pessoas, como é estimada a população economicamente ativa somente na região metropolitana de São Paulo.

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