Título: Desafio argentino é atrair estrangeiros e elevar investimento
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Internacional, p. A9

Aumentar o nível dos investimentos produtivos para garantir a oferta de bens e serviços e, dessa forma, gerar mais empregos, renda e controlar a inflação. Este é possivelmente o maior desafio que o novo presidente da Argentina vai encontrar quando assumir o cargo em dezembro.

As eleições serão no próximo domingo. As pesquisas de intenção de voto apontam que a senadora Cristina Fernandez de Kirchner, esposa do atual presidente, é quem vai tomar as rédeas do país (leia matéria ao lado). Sua potencial vitória é explicada pelo modelo econômico de Néstor Kirchner que, pese à polêmicas medidas heterodoxas, conseguiu tirar o país do fundo do poço e recuperar toda a perda registrada no fatídico ano de 2002.

Caso vença, Cristina vai encontrar um cenário muito melhor do que o encontrado por seu marido em 2003. A economia cresceu uma média de 9% ao ano entre 2003 e 2006, a pobreza e o desemprego caíram pela metade, e o país voltou a receber investimentos.

O Investimento Bruto em Capital Fixo (IBCF), um importante indicador da economia real, atingiu 21,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre de 2007 a preços constantes, e 22,5% a preços correntes. Os dados, fornecidos pela Agência Nacional de Desenvolvimento de Investimentos (ProsperAr), indicam que, até o fim de 2007, o investimento poderá repetir ou superar o recorde de 2006 quando chegou a 23,2% do PIB.

Nos primeiros seis meses deste ano, o IBCF cresceu 13,3% a valores constantes e 25,8% a preços correntes, comparado com o mesmo período de 2006, acumulando 18 trimestres consecutivos de expansão ininterrupta, segundo a ProsperAr. Em 2002, no auge da crise, o investimento em formação de capital atingiu o ponto mais baixo da história, atingindo apenas 11% do PIB.

A evolução do investimento bruto acaba sendo ofuscada pelas grandes dificuldades que ainda atormentam a economia argentina, como reconheceu o próprio presidente Kirchner em diversas ocasiões. Os dois maiores gargalos são a falta de energia e a inflação elevada.

A questão central agora é: com a economia recuperada, como ir além? Há toda uma discussão na Argentina sobre a perda de investimentos estrangeiros e a falta de recursos para compensá-los, principalmente na área energética, que tem sido a grande ameaça à marcha do crescimento durante o governo Kirchner.

O capital estrangeiro não tem sido um aliado, como ficou mais uma vez demonstrado na semana passada. Segundo o último relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o país recebeu em 2006 US$ 4,8 bilhões em investimento externo, o que representa menos de 10% da formação de capital. Este dado é provisório, e o valor ajustado para todo o ano de 2006 deverá atingir US$ 5,5 bilhões, segundo a ProsperAr. Ainda assim, será apenas 30% do que recebem os grandes países da região - US$ 18,8 bilhões no Brasil e US$ 19 bilhões no México. E abaixo dos US$ 8 bilhões que recebeu o Chile e dos US$ 6,3 bilhões da Colômbia.

"A taxa de investimentos na Argentina é recorde, comparado com os últimos 30 anos, e a maior parte veio do setor privado", defende o economista Ricardo Rozemberg, gerente de Estratégia da ProsperAr. Ele afirma ainda que há uma tendência do investimento estrangeiro em priorizar os países asiáticos e as chamadas "economias de transição" do Leste Europeu.

Segundo os dados da ProsperAr, quase 60% do investimento bruto fixo (que inclui recursos internos e externos) se explica pelo setor da construção civil, e o restante pela aquisição de bens e equipamentos duráveis. Mas, no primeiro semestre deste ano, enquanto o ritmo de expansão do item bens duráveis foi de 16,5%, o da construção foi de 7,7%.

"Os investimentos na construção aumentaram enormemente, e isso se deve a um efeito de busca de resguardo por parte dos investidores argentinos frente à desconfiança sobre guardar seu dinheiro nos bancos, depois da trágica experiência do default bancário", explica o economista Roberto Kozulj, da Fundação Bariloche, referindo-se aos famosos "corralitos", quando os bancos prenderam o dinheiro dos correntistas, no auge da crise.

"A construção civil teve um papel importante nessa expansão, mas todos os setores produtivos investiram mais, automotivo, oleaginosas, alimentos, têxtil e muitos outros", contesta Rozemberg. Mesmo os maiores críticos da política econômica K (de Kirchner), reconhecem o avanço do IBCF do país, porém alertam para a necessidade urgente de atrair mais capital estrangeiro para elevar a produção interna e inserir o país nas grandes redes globais de produtividade, sob pena de haver um novo colapso.

Um dos pontos fracos do modelo expansivo, a oferta de energia elétrica, também está entre os setores que estão recebendo novos investimentos em geração e distribuição, diz Rozemberg. No entanto, afirma ele, esse é um processo lento. "Não temos gargalos em nenhum outro setor e, na energia, fala-se em crise desde 2004. Especificamente este ano tivemos problemas porque o clima jogou contra", disse o gerente da ProsperAr.

"Nos últimos anos, a Argentina perdeu participação no investimento externo direto que vem para a região. O pedaço da torta que nos cabe é cada vez menor", afirma o economista Aldo Abram, um dos que mais criticam o modelo atual. Em um estudo recém-concluído, realizado em parceria com outros cinco renomados economistas argentinos, Abram aponta a insegurança jurídica e a falta de estabilidade das regras do jogo como os fatores que mais afastaram os investidores estrangeiros da Argentina.

Eles calcularam que, no período de 2001 a 2005, a Argentina deixou de receber US$ 6 bilhões em investimentos externos. O cálculo considera a hipótese de que o país tivesse mantido, neste período, a mesma relação de captação de recursos comparado ao Brasil e ao México no período 1970 a 2005 - ou seja, 41% do que recebeu o Brasil e 44% do que recebeu o México. Mas nos últimos cinco anos, esse percentual caiu para 18%.