Título: Ainda é cedo para o Brasil criar um fundo soberano
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Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Opinião, p. A10

O governo brasileiro planeja criar um fundo soberano para fazer investimentos no exterior. A idéia é aproveitar a onda de liquidez internacional, captar recursos a custos módicos e fazer aplicações com retorno mais atraente do que o obtido pelas reservas internacionais. Ao fazer essa opção, bastante polêmica, o Brasil decidiu entrar para o clube dos países que possuem Fundos de Riqueza Soberana (SWF, na sigla em inglês).

Ao confirmar o projeto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou claro que o fundo soberano só será instituído depois de cumpridas duas etapas necessárias: a obtenção do grau de investimento, que, segundo o próprio ministro, só deverá acontecer em meados de 2008; e a acumulação de um mínimo de US$ 180 bilhões em reservas cambiais, montante suficiente para honrar a dívida externa, inclusive a do setor privado. Até sexta-feira, as reservas somavam US$ 163 bilhões.

Mantega esclareceu também que o fundo brasileiro não seguirá os passos de outros fundos soberanos, como os da China e de Cingapura. Os recursos desses fundos têm sido usados na aquisição de participações acionárias de empresas e instituições financeiras de países ricos. O movimento é uma faceta inédita da globalização, em que os governos de mercados emergentes estão se tornando, por meio de fundos soberanos, os principais acionistas de companhias do Ocidente. "Parece que o mundo virou de cabeça para baixo", diz Steffen Kern, economista do Deutsche Bank especialista em SWF. O volume de recursos destes fundos é crescente e hoje está ao redor dos US$ 3 trilhões.

O Brasil, segundo explicou o ministro da Fazenda, é menos ambicioso. O propósito do governo Lula é, com o fundo soberano, investir em debêntures de empresas estrangeiras bem administradas e rentáveis. Poderá também adquirir papéis lançados no exterior pelo BNDES e, assim, ajudar o banco a levantar recursos para financiar projetos de infra-estrutura na América do Sul.

O que faz um país criar um fundo soberano? Segundo especialistas, são três as razões. O caso clássico é o das economias exportadoras de commodities finitas. Desde os anos 50, países árabes investem, por meio de SWFs, parte de suas receitas com petróleo em ativos no exterior. É uma forma inteligente de fazer poupança e assegurar o bem-estar de futuras gerações, que certamente não disporão daquele recurso natural não-renovável.

A segunda motivação para a criação de fundos soberanos é de natureza previdenciária. Fundos de pensão precisam diversificar os investimentos para diluir riscos e maximizar retornos. Por isso, já há entre os SWFs exemplos de fundos criados por institutos de previdência de economias avançadas, como a americana. Na terceira categoria de SWFs estão países que geram excedentes fiscais e saldos positivos no balanço de pagamentos. São os casos de China e Coréia do Sul, que, em tese, estão investindo parte de suas reservas internacionais em ativos de risco no exterior.

Mesmo vivendo um excelente momento, a economia brasileira não dispõe das condições necessárias para a criação de um SWF. Não é grande exportadora de recursos esgotáveis, com com exceção do minério de ferro, não produz superávits fiscais (o déficit público ainda está em torno de 2% do PIB) e tem um saldo nas contas externas modesto (inferior a 1% do PIB). Diante disso, é questionável que o governo esteja disposto a se aventurar na criação de um fundo soberano.

Fontes do primeiro escalão do governo informaram ao Valor que o fundo brasileiro não usará recursos das reservas cambiais. O dinheiro virá de captações no exterior por meio de emissões do Tesouro Nacional. Daí, a necessidade de esperar pela obtenção do grau de investimento, que deverá baratear expressivamente o custo da tomada de empréstimos lá fora. Como a operação de criação do SWF será meramente financeira, não impactará o resultado primário das contas públicas. Ainda assim, sobram dúvidas quanto à necessidade e à oportunidade da medida; Afinal, para criar o fundo, no primeiro momento com base em emissões do Tesouro, o país terá que aumentar a dívida externa, sem que os possíveis benefícios justifiquem o sacrifício.