Título: Governo unifica discurso da ameaça fiscal
Autor: Costa , Raymundo ; Bittar , Rosângel
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2007, Política, p. A9

Desafiado pela oposição a votar na próxima semana o imposto do cheque, o governo desencadeou uma ampla ofensiva para tentar conseguir os votos que ainda não tem para aprovar a CPMF. Em conversa com o Valor, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos integrantes da linha de frente dessa investida, advertiu: "A política fiscal só tem um problema: a CPMF. Se ela for rejeitada, será preciso mudar a política monetária". Ou seja, fica mais difícil a retomada da trajetória de redução da taxa de juros.

Enquanto isso, em outro ponto da cidade, o ministro Guido Mantega (Fazenda) distribuía a cartilha intitulada "Considerações Sobre a CPMF", no qual relaciona números e índices para provar por que a aprovação do imposto do cheque é importante. Destaca, entre outras coisas, o "equilíbrio fiscal" e a "redução do risco país e dos juros internos e externos". O governo unificou o discurso, reconhece que errou muito, e se diz disposto, ao mesmo tempo em que mantém a ameaça de arrocho tributário, a discutir redução de gastos públicos com a oposição.

Em passos ensaiados, o líder do PSDB, Artur Virgílio (AM), e Aloizio Mercadante discursaram na quarta-feira. Virgílio abriu uma brecha para a retomada das negociações e o petista aproveitou a deixa e foi à tribuna: "Se é para dialogar e negociar, vamos abrir amanhã a mesa de negociação". O DEM, alvo de ataques permanentes do presidente Lula, parece excluído da ofensiva governista.

Na conversa com o Valor, Mercadante afirmou que há espaço para a negociação para reduzir as despesas de custeio a fim de preservar o investimento. Para o petista, derrubar a CPMF é "colocar o país em situação de absoluto risco fiscal e financeiro", num momento de risco também de turbulência financeira internacional.

Para o governo, a votação da CPMF está no limite do imponderável. Sentindo-se humilhado durante toda a crise que envolveu seu presidente licenciado, Renan Calheiros, o Senado teria se tornado uma Casa imprevisível. A oposição estaria acuada, insegura com relação ao futuro, e por isso não é possível repetir, segundo Mercadante, "o que fizemos na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa", quando foi votado um texto de entendimento.

Para Aloizio Mercadante, se a oposição voltar à mesa de negociação será possível para o governo estabelecer uma conversa em outro diapasão político (o Planalto está sendo pressionado pelos próprios aliados a atender interesses fisiológicos em troca da aprovação da emenda). "Tem que ter uma interlocução democrática e um limite. Ir contra a CPMF é atravessar esse limite".

Mercadante lamenta que o "lado mais racional do PSDB" - entre os quais inclui Tasso Jereissati (CE) e Sérgio Guerra (PE), o ex e o atual presidente dos tucanos - tenha perdido a disputa interna com a totalidade da bancada da Câmara e a maioria da bancada de senadores. Lembra-se que o PT, na oposição, também era assim - os mais ponderados eram sempre derrotados. O governo ainda guarda expectativa de retomar as conversas em "alto nível", até para ter o contraponto ao PMDB, sempre com muito apetite por cargos.

"A oposição tem que ter a responsabilidade de propor a CPMF pelo menos fiscalizadora, uma redução gradativa", diz Mercadante. Derrubar o tributo, para o senador paulista, "é uma aliança com o lobby da sonegação".

Segundo Mercadante, a conjuntura é especial depois que o país atravessou 25 anos sem crescer, o último Plano Nacional de Desenvolvimento é de 1974, "e de amargar, entre 1980 e 1994, tivemos 23 trilhões de pontos percentuais de inflação". As reservas - diz -estão altas, a balança comercial é superavitária, o crescimento do PIB é de 5%, a inflação está abaixo da inflação mundial.

"Temos democracia, estabilidade da moeda e crescimento. Em qual conjuntura do pós-guerra tivemos isso?", questiona Mercadante. "E não sabemos até quando. Não falamos para o mercado já não sentir de imediato, mas os sinais de risco externo são claros, o cenário internacional está se deteriorando rapidamente", afirma.

Na avaliação feita por Mercadante, o sistema financeiro internacional está exposto, e o mercado interbancário internacional está se deteriorando. "O mercado subprime impôs um prejuízo de US$ 400 bilhões aos bancos americanos. Além disso, US$ 200 bilhões são estimados na União Européia. Os Bancos Centrais aportam liquidez, e os bancos não repassam porque estão com problemas de capital e de gestão das instituições financeiras".

Por outro lado, o cenário da América Latina é de "turbulência", com a crise na Venezuela, a Bolívia se dividindo. "O Brasil vive um momento único na história, que reúne estabilidade da moeda, reservas altas, crescimento e democracia num mundo que vive expectativa de entrar numa crise, no próximo ano, e com um continente conturbado politicamente", diz . Nessa conjuntura, na qual o país é uma exceção, o petista afirma que "o Brasil não pode ter uma crise fiscal. Os avanços nos dão segurança para enfrentar a crise, mas é preciso responsabilidade para não cometer erros".

"Brasil não pode sinalizar errado para o mercado internacional, pois estamos numa região de grande turbulência política, institucional e social", adverte Mercadante. "O Brasil é referência de país democrático, estabilidade macroeconômica. Não pode indicar que terá problemas fiscais".

O afinado discurso governista permite a Mercadante dizer que a CPMF é um imposto que tem problemas, sobretudo por ser cumulativo, mas que também tem "virtudes". Ele cita um exemplo: apenas 6% dos contribuintes são responsáveis pela arrecadação de 57% do total do imposto do cheque. "A CPMF é progressiva quando incide sobre a renda", diz.

Se a CPMF for aprovada, Mercadante empenha o fio do bigode no aprofundamento da redução da carga tributária. "Não são apenas promessas. Vamos reduzir o tributo com responsabilidade. A renúncia fiscal tem que ser feita com responsabilidade". Mas se a CPMF cair - adianta o senador - ninguém deve se considerar surpreendido: Lula vai culpar a oposição pela falta de dinheiro para um aumento maior do salário mínimo, do valor do Bolsa Família e problemas na Saúde. Isso muito embora o governo tenha uma base aliada com 53 votos, quando bastam 49 para aprovar e prorrogar a CPMF.