Título: Propostas para a Previdência (IV): idade de aposentaria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Opinião, p. A11

O nosso quarto artigo desta série com propostas de reforma da Previdência Social refere-se ao dispositivo que regula a aposentadoria por idade. Cabe lembrar que o Brasil tem basicamente dois tipos de aposentadoria programável. A primeira é por tempo de contribuição, aos 35 anos no caso dos homens e 30 anos no das mulheres. Nesses casos, para os servidores públicos há uma idade mínima de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres, que neste espaço já defendi que seja estendida para o INSS, onde essa idade mínima não vigora.

A segunda modalidade de aposentadoria é por idade, em cujo caso a regra segue o padrão de muitos países e é de 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres. Neste caso, há um período contributivo mínimo para fazer jus ao benefício, período esse atualmente em processo de elevação, até o parâmetro final de 15 anos de contribuição, a partir de 2011.

A idade de aposentadoria é apropriada para o Brasil de hoje e não há razões para que seja modificada imediatamente. Entretanto, da mesma forma que no caso de outros parâmetros, é importante que comecemos a nos preparar para o que se espera que seja o perfil demográfico do país daqui a 20 ou 30 anos. É exatamente em função disso que alguns países já iniciaram um processo de adaptação, ainda que de longo prazo, o que é também uma forma politicamente sábia de minorar as resistências às mudanças que este tipo de iniciativas costuma suscitar. Os EUA, por exemplo, aprovaram há anos uma regra por meio da qual a idade de aposentadoria será lentamente elevada para ambos os sexos, até ser de 67 anos em 2027, ou seja, daqui a 20 anos. Essa idade de 67 anos já vigora atualmente, também para ambos os sexos, em alguns países como Dinamarca, Islândia e Noruega.

-------------------------------------------------------------------------------- É importante que o país se prepare para o que deve ser o perfil demográfico daqui a 20 ou 30 anos com ações graduais que podem ser bem aceitas --------------------------------------------------------------------------------

Como parte de uma reforma previdenciária abrangente, o Brasil deveria adotar um conjunto de providências baseadas em quatro princípios: a) ausência de qualquer mudança para os que já estiverem aposentados; b) aprovação de mudanças com uma carência de cinco anos, de modo a não prejudicar a situação de quem estiver a pouco tempo de se aposentar; c) adoção de uma regra extremamente rígida para os novos entrantes, não só pela razão óbvia de que politicamente não são um grupo de pressão relevante, como também pela razão técnica de que se trata de pessoas que irão se aposentar daqui a várias décadas, quando se espera que os indivíduos vivam muito mais do que hoje; e d) respeito ao gradualismo, no caso das modificações legais que valerem para aqueles que já estão no mercado de trabalho.

Cabe lembrar que a nova regra deveria ser associada à que já foi aqui proposta para as mulheres, que é a de que a diferença entre elas e os homens seja alterada de cinco para dois anos ao longo de um lento processo de transição que duraria 15 anos, na base de redução desse diferencial em um ano a cada cinco anos (ver tabela).

Para os novos entrantes, a regra sugerida é que todos aqueles que tiverem nascido, por exemplo, a partir de 1990 (inclusive), e que portanto em 2007 têm menos de 18 anos, só poderiam se aposentar a partir dos 68 anos, regra essa a ser aplicada tanto aos homens como às mulheres. Pode-se objetar que essa regra é mais rígida que a que vigorará para os EUA, mas cabe lembrar que tais aposentadorias iriam se efetivar a partir de 2058, enquanto que a regra dos EUA irá valer a partir de 2027, sendo válido admitir que possivelmente entre 2027 e 2058 aquele país passará por uma nova mudança das condições de aposentadoria. Além disso, o que está sendo proposto aqui é apenas uma base para discussão. Daí a que a proposta seja encampada pelo governo, haverá um longo trecho a percorrer, e daí a que uma eventual proposta do Executivo seja validada pelo Congresso, haverá um espaço maior ainda. Isso significa que não ignoro que entre as propostas aqui feitas, e aquilo que vier a ser definido em um processo de negociação política, pode haver um espaço considerável. Do ponto de vista estritamente técnico e considerando o perfil demográfico do país nas próximas décadas, entretanto, entendo que é uma proposta razoável para discussão.

O cidadão, com o conjunto de parâmetros definidos neste artigo e nos anteriores teria então diante de si uma espécie de "cardápio" de alternativas, baseado no que eu denomino de "condicionalidades cruzadas". Aqueles que já estão no mercado de trabalho, poderiam se aposentar por tempo de contribuição com 35 anos de serviço (no caso dos homens) mas condicionados a uma idade mínima de (inicialmente) 60 anos (também no caso dos homens). Já no caso dos homens que vierem a se aposentar não por tempo de contribuição e sim por idade, a concessão do benefício estaria sujeita a um número mínimo de anos de contribuição, assim como ocorre atualmente, mas com um requisito contributivo maior; e a idade exigida seria aumentada ligeiramente, dos atuais 65 anos para os homens, até 67 anos em 2027, ou seja, daqui a 20 anos.

Observe-se que uma pessoa do sexo masculino que tenha, por exemplo, 61 anos atualmente, não teria a regra da sua aposentadoria modificada, uma vez que faria 65 anos no período de vigência da carência de cinco anos até a entrada em vigor da nova regra. Já outra que tenha 57 anos, daqui a oito anos, ao fazer 65 anos, em 2015, pela tabela, teria que esperar mais 6 meses para se aposentar, enquanto que um indivíduo que tenha, por exemplo, 52 anos teria que esperar mais um ano para se aposentar, com 66 anos ao invés de 65. São medidas graduais, que se bem explicadas, com tempo para a adaptação, poderiam ser aceitas pela população.

Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras e, excepcionalmente, nesta quarta. E-mail: fgiambia@terra.com.br.