Título: E se o Fed estiver certo?
Autor: Sesit, Michael R.
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Opinião, p. A11

Ese o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) estiver certo e os mercados, errados? A resposta na ponta da língua é que um grande número de pessoas vai perder muito dinheiro. Isso porque muitos investidores acreditam que a economia dos Estados Unidos se tornará muito mais rica do que o Fed avalia.

Depois de o banco central dos EUA ter surpreendido os mercados financeiros globais no mês passado com um corte maior do que o esperado na taxa de juros básica, para 4,75%, muitas pessoas consideraram a redução desnecessariamente grande, reflexo de uma visão exageradamente pessimista da economia dos EUA.

Os críticos também acusaram o banco central dos EUA de socorrer instituições de crédito e hedge funds que deveriam ter amargado as conseqüências dos seus negócios e decisões de investimento medíocres. Enquanto isso, estrategistas responderam com a promoção das chamadas "operações com reflação", que dão mais ênfase aos ativos de risco em relação aos ativos seguros e cujo propósito é tirar proveito da generosidade do Fed.

Até agora, essas apostas, de que o Fed teria exagerado na reação à crise das hipotecas de alto risco e às condições de crédito mais rigorosas, vingaram. O índice Standard & Poor's 500 atingiu níveis recordes no meio do mês; o mesmo aconteceu com o índice Morgan Stanley International´s World Index. O índice MSCI de mercados emergentes registrou uma recuperação de 40% no ano até 17 de outubro e de 16%, desde a redução praticada pelo Fed na taxa de juros.

Operações com deflação - que enfatizam mercados emergentes, ouro, ações cíclicas, commodities e ativos relacionados - significam que os investidores estão apostando numa repetição de 1998. Naquele ano, os EUA e outros bancos centrais reagiram à crise financeira asiática, à moratória russa e ao quase colapso do hedge fund Long-Term Capital Management com políticas monetárias extremamente brandas.

O Fed reduziu a taxa de juros três vezes no fim de 1998 e se mobilizou para neutralizar temores em torno do "bug" do milênio nos computadores em 2000, inundando os mercados com enormes quantidades de dinheiro.

O investimento do governo para estimular a economia contribuiu para o aumento gradual da bolha de tecnologia que explodiu em 2000 e levou os mercados globais de ações a um estado de pânico. Ainda assim, ele manteve a economia dos Estados Unidos fora da recessão. Em 1999, o S&P acumulou alta de 20% e a Nasdaq disparou, crescendo 86%.

Em vez de usarem 1998 como seu modelo, talvez seria melhor se os investidores retirassem uma página dos seus livros de história sobre o período 1989-1992. Foi quando o Fed reduziu a taxa básica de juros 23 vezes consecutivas, de 9,75% para 3%. As condições de crédito continuaram se contraindo e remeteram a economia a uma recessão em 1991.

-------------------------------------------------------------------------------- Críticos acusam o FED de socorrer instituições de crédito e hedge funds, que deveriam arcar com suas decisões de investimento --------------------------------------------------------------------------------

"Não seria irônico se a projeção implícita do Fed estivesse realmente correta?", diz Richard Bernstein, estrategista-chefe do Merrill Lynch baseado em Nova York. "E se a economia dos EUA realmente estiver resvalando para uma recessão substancialmente mais profunda do que os investidores estão dispostos a considerar no momento? Nossa aposta seria que existem poucas carteiras estruturadas para esse resultado".

Uma que poderia estar e que produziu vencedores em 1989 incluiu títulos de primeira linha, mercados acionários desenvolvidos, setores defensivos, papéis com grande capitalização - com um valor mediano de US$ 13,2 bilhões - e empresas que pagavam altos dividendos. O Merrill Lynch apelida isso de "comércio ultracontrário", apesar do prazer dos pessimistas ser tão preciso quanto o deles.

Muitos investidores, porém, estão interpretando a situação incorretamente ou se recusam a aceitar a realidade. Mesmo depois do corte de 50 pontos base na taxa de juro básica do Fed, a política monetária dos Estados Unidos continua restritiva, com o custo de financiamento permanecendo acima da taxa de crescimento. O Produto Interno Bruto nominal dos EUA, um substituto para o retorno sobre o capital, cresceu 4,7% no segundo trimestre, enquanto a Taxa Interbancária de Londres (Libor) do dólar para três meses, que serve como referência para o custo do capital, está em 5,18%.

A redução na taxa poderá moderar, mas não reverter, a desaceleração que emana da queda na venda de casas e no setor de construção civil. Além disso, a tese de que o resto do mundo pode se "desacoplar" dos EUA está sendo cada vez mais questionada. O Japão, segunda maior economia do mundo, continua decepcionando, e as análises de setembro sobre o mundo dos negócios e um euro robusto apontam para uma desaceleração do crescimento na Europa.

O modelo econométrico do UBS estima uma probabilidade de 33% de ocorrer uma recessão nos EUA, com tendência a aumentar. O banco estima as chances de uma recessão com base na taxa de crescimento da folha de pagamento não-agrícola e mudanças no início de construção de moradias nos Estados Unidos, nos preços de moradias e nas encomendas de bens duráveis. "Cada um desses fatores está em níveis semelhantes a recessões ou próximo deles", diz Andrew Cates, economista sediado do UBS sediado em Londres. Além disso, as cotações do petróleo a um pico histórico de mais de US$ 89 não ajudarão em nada para o crescimento.

Apostas sobre a política futura do Fed, crescimento em desaceleração, temores de inflação e mercados de crédito apertados também prenunciam um crescimento na volatilidade. Além disso, durante os 25 anos passados, cada período de volatilidade em alta pressagiou uma mudança na liderança de mercado, segundo o Merrill Lynch.

Então porque não se tornar um contrário antes que os contrários se transformem no consenso?