Título: Meirelles descarta uso de reservas do país em novo fundo
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Especial, p. A12

Ruy Baron/Valor Meirelles: "As reservas devem ser usadas para reforçar a resistência do país a choques e turbulências internacionais" O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, descartou ontem a possibilidade de utilizar as reservas brasileiras para constituir o fundo de investimentos que o governo planeja lançar para comprar ativos financeiros, contrariando afirmações feitas repetidas vezes nos últimos quatro dias pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

"As reservas devem ser usadas para reforçar a resistência do país a choques e turbulências internacionais, e agora elas estão sendo provadas extraordinariamente valiosas", disse Meirelles, após uma cerimônia em que recebeu uma homenagem de uma revista de negócios. "Então, portanto, não cabe discussão sobre usos alternativos de reservas."

Meirelles confirmou que o fundo está em estudos no governo, mas suas declarações apontam uma direção oposta à que Mantega vinha indicando. Desde que a notícia de que o governo estuda a criação do fundo surgiu pela primeira vez, na edição de quarta-feira do Valor, Mantega deu entrevistas diárias e em todas as oportunidades disse que o fundo seria constituído com as reservas do país.

Meirelles lembrou ontem que a legislação em vigor no Brasil impede o uso das reservas para fins alternativos como o fundo em estudos em Brasília. A questão é importante porque indica a necessidade de encontrar em outro lugar os recursos que constituirão o fundo se o governo quiser levar a idéia adiante.

A discordância entre Meirelles e Mantega mostra também que os estudos sobre o fundo ainda estão num estágio muito preliminar. Mesmo assim, nas entrevistas que concedeu nos últimos dias em Washington, Mantega deu várias indicações sobre o volume de reservas que o governo precisaria acumular antes de lançar o novo fundo na praça e o tamanho ideal dos seus ativos.

O Brasil tem hoje US$ 162 bilhões em reservas. Na quinta-feira, o ministro disse que elas precisariam alcançar algo entre US$ 170 bilhões e US$ 180 bilhões para que o fundo pudesse ser criado, com um porcentual das reservas que passarem desse limite. Na sexta-feira, ele indicou que esse porcentual seria 5%. Ontem, falou em 10% e 15%. E disse que o fundo pode começar com US$ 10 bilhões em ativos.

A informação sobre o patrimônio inicial que ele julga ideal para o fundo também foi transmitida a um repórter do "The Wall Street Journal", que o entrevistou na sexta-feira e publicou o número na edição de sábado do jornal. Ontem, o ministro repetiu o dado. "Dez bilhões é um número razoável, mas não está fechado", disse Mantega.

A idéia do novo fundo nasceu por causa do crescimento dos chamados fundos de riqueza soberana, que a China e outros países emergentes lançaram nos últimos anos para diversificar a aplicação do enorme volume de reservas que acumularam. O plano do governo, disse Mantega, é usar o fundo para ajudar a financiar empresas nacionais que estão crescendo fora do Brasil.

"A partir de um certo patamar nós poderemos utilizar uma fatia das novas reservas, a partir de um patamar que nós não definimos ainda, com outras finalidades", disse Mantega. Perguntado sobre os propósitos do novo fundo, Meirelles afirmou que ele irá "atender os interesses estratégicos internacionais do país".

O crescimento dos fundos soberanos têm chamado atenção dos países mais avançados e de instituições como o Fundo Monetário Internacional. Um funcionário do Fundo que está estudando o tema disse ao Valor na sexta-feira que um motivo para preocupação é o possível impacto fiscal que novos fundos como o brasileiro poderão ter. "Alguns países com dívida interna elevada e dificuldades para financiar o sistema previdenciário no longo prazo podem estar comprometendo o futuro com essas iniciativas", disse ele, que pediu anonimato por não conhecer em detalhes o plano brasileiro e não ter autorização oficial para discutir o problema. "Em casos assim, um fundo como esse poderia ter um papel desestabilizador na economia."