Título: PT escolhe direção nacional com a exclusão de 1.413 municípios
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2007, Política, p. A10

Único partido brasileiro que escolhe sua direção por meio de uma consulta a todos os filiados, o PT decidiu criar na eleição direta que realiza neste domingo dois tipos de eleitores. Dos 917.809 filiados aptos, 855.922, ou 93,3%, terão o direito de escolher se o atual presidente da sigla, deputado Ricardo Berzoini (SP), fica um novo mandato. Outros 61.757 filiados, ou 6,7%, só poderão votar na escolha do novo diretório municipal.

São integrantes do PT que estão em municípios sem diretórios constituídos, comandados por comissões provisórias escolhidas pelas direções estaduais. O grupo reúne em geral pequenas cidades, e é expressivo: estão nesta condição 27,6% das cidades em que existem filiados petistas. É a primeira vez que o partido fará uma escolha interna excluindo esta massa de eleitores, que se distribui de modo irregular.

No Paraná, nada menos que 47% dos municípios onde o PT existe ficarão de fora da eleição nacional, o que significa 21,7% do colégio eleitoral do Estado. Está no Paraná uma das principais bases de apoio de Berzoini no país. No Rio Grande do Sul, onde a candidatura da situação é anêmica, somente 3% dos filiados, em 18% dos municípios, ficarão de fora.

A proposta foi aprovada na reunião do Diretório Nacional da sigla realizada no começo de outubro, em duas votações, marcando uma rara derrota do grupo comandado por Berzoini: apesar de ser minoria no Diretório, o ex-Campo Majoritário, hoje "Construindo um Novo Brasil", sempre se beneficiou da desunião entre seus opositores, fato que não ocorreu nesta questão.

"Estamos cumprindo o estatuto do partido pela primeira vez. Comissão Provisória precisa ter como prioridade constituir sua direção local. Do contrário servem como reserva de poder para as direções locais fazerem qualquer tipo de acordo. Não tem sentido comissões provisórias permanentes, como estava acontecendo", afirmou o autor da proposta, o dirigente Valter Pomar, principal candidato à presidente da sigla pela ala esquerda do partido.

Para Pomar, "os militantes de municípios sob comissão provisória votavam antes porque o Campo Majoritário controlava a elaboração das regras do processo, o que não acontece mais".

"Eles deram um golpe, com esta aliança que fizeram só para nos derrotar. Passaram com o rolo compressor em cima da gente", comentou o presidente regional do PT paranaense, o deputado federal André Vargas, que na reunião do diretório fez um recurso para conseguir uma segunda votação, alegando que a norma fere o direito individual do filiado. "No Paraná, nossa margem de liderança vai diminuir, ainda que continue grande", admitiu.

Sob reserva, um apoiador da candidatura do deputado Jilmar Tatto (SP) à presidência do partido, afirmou que a questão está longe de ser irrelevante em uma eleição que começará com uma incerteza a ser decidida por estreita margem de votos: se haverá segundo turno ou não, já que Berzoini deverá ficar bem próximo dos 50% dos sufrágios.

Na prévia de 2006 em que a hoje ministra do Turismo, Marta Suplicy, foi vencida pelo senador Aloizio Mercadante na disputa pela candidatura do partido ao governo de São Paulo, o eleitorado das comissões provisórias foi decisivo. Sem ele, que representa 3,8% do total filiado paulista, Marta teria uma frente de 700 votos sobre seu rival.

O mecanismo das Comissões Provisórias é bastante comum em vários partidos que se caracterizam pelo caciquismo. Por este instrumento, o chefe regional não permite que nenhum município eleja a sua própria direção. Deste modo, nas eleições para as prefeituras, todos os acordos partidários são fechados diretamente por ele. A recompensa vem na eleição seguinte, quando os prefeitos que receberam o apoio dos partidos formados por comissões provisórias retribuem o favor, apoiando o cacique partidário.

O PT era visto como um partido imune a tais práticas, mas nas eleições de 2004 e 2006, segundo afirmou este aliado de Tatto, a situação mudou. Há relatos de Comissões Provisórias petistas aliadas a prefeituras comandadas pelo DEM ou PSDB, com a concordância do deputado petista votado na região, que influi na Executiva estadual.

"Este não é o caso do Paraná. Aqui as comissões provisórias são recentes, instaladas com consultas a diversas correntes do partido e fruto de um processo de reorganização", disse Vargas. Em Tibagi, cidade do leste paranaense que conta com 526 filiados excluídos do processo eleitoral nacional, segundo maior índice no país, ocorreu um caso de reorganização, segundo o deputado. "O dirigente petista local era um grande fazendeiro, um ruralista, incompatível ideologicamente conosco", justificou Vargas.

A maior cidade em filiados excluída da eleição direta nacional é a mineira Divinópolis, com 580 filiados. Lá, o partido está em crise desde a eleição de 2006, quando petistas da cidade foram acusados de fazer campanha presidencial para o PSDB. Mas a atual comissão provisória, segundo acusações de petistas afastados do comando da sigla, apóia a reeleição do prefeito, filiado ao PTB.

A decisão petista, a princípio, envolve apenas os municípios que são comandados por comissões provisórias. Ficam preservados os direitos dos filiados que pertencem a direções zonais sob comissão provisória, como é o caso dos petistas residentes no Jardim Paulista, em São Paulo. Menor seção do PT paulistano, o bairro era, até a eleição passada, pelo menos, domicílio de lideranças importantes da sigla, como o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o da Fazenda, Guido Mantega.