Título: China tenta mudar imagem e acena com preços menores
Autor: Niero, Nelson
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Empresas, p. B7

Divulgação Zhang Ji, do Ministério de Comércio da China: "Estamos 15 anos atrasados em relação aos países desenvolvidos" Zhang Ji, vice-diretor geral do Departamento de Mecânica, Eletrônica e Tecnologia do Ministério de Comércio da China, não teve uma boa experiência em sua viagem ao Brasil no ano passado. A visita coincidiu com a onda de ataques contra a polícia em São Paulo, quando um clima de terror dominou a cidade. Mas o que deixou Zhang mais indignado foi um boicote que diz ter sofrido por parte da indústria automobilística do país.

O funcionário do governo chinês veio ao Brasil para um seminário promovido pela Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, no qual esperava fazer contatos e fechar negócios com os principais atores do setor. "Marcamos um encontro com representantes do setor, que acabou não acontecendo", disse Zhang ao Valor. "Depois soubemos que a reunião foi desmarcada por pressão dos fabricantes." Ele também reclama que a comitiva chinesa teria sido barrada numa feira. "Tivemos que negociar com os clientes no hotel."

Não é de se admirar que os empresários brasileiros não queiram ver Zhang nem pintado com o ouro dos imperadores. As exportações chinesas de rolamentos, só para ficar num exemplo, cresceram quase 130% desde 2000 (ver abaixo) e há reclamações generalizadas sobre dumping, contrabando, compras subfaturadas e peças de qualidade duvidosa. E, claro, a questão do emprego.

O funcionário do governo, que trabalha no departamento responsável por metade do volume de exportações da China, conhece bem todas as acusações e tem respostas prontas para elas. Antes de começar a entrevista, Zhang fez questão de ressaltar que quando esteve no Brasil foi bombardeado por perguntas de repórteres sobre a ameaça chinesa aos empregos. "A cooperação entre os setores de autopeças dos dois países não significa desemprego no Brasil, mas sim a melhora da competitividade de ambos."

A teoria chinesa do "socialismo de mercado" permeia o discurso de Zhang: capitalismo, sim, mas com características "sociais". Assim, o benefício mais palpável para o mercado brasileiro é que, se usarmos mais peças chinesas, os preços poderão cair "tremendamente", o que irá favorecer a população de menor renda. Com boas informações sobre os preços salgados praticados no mercado brasileiro de reposição de peças, o funcionário chinês acena com reduções de até 40%.

Para os herdeiros de Deng Xiaoping, o mentor das reformas que transformaram a China numa potência comercial, o que os países ocidentais chamam de "invasão chinesa" nada mais é do que a salvação da economia global. A entrada das companhias chinesas no mercado e as associações com empresas estrangeiras no mercado local trarão mais equilíbrio à ordem econômica mundial, porque as grandes multinacionais "estão mais preocupadas com os seus lucros".

Zhang fala em "complementaridade" entre a China e o mundo e cita a brasileira Marcopolo - até o nome se encaixa bem na teoria - como exemplo de relacionamento proveitoso entre empresas dos dois países. Para Zhang, a fabricante de carrocerias, que tem um escritório e estuda a possibilidade de produzir na China, é muito admirada por sua tecnologia e pode se beneficiar do custo chinês se optar pela produção no país.

Foi para estimular mais parcerias como essa, diz, que o governo chinês resolveu promover o maior evento da indústria de autopeças já feito no país, a China International Auto Parts Expo, uma megaexposição que será realizada em Pequim de 29 de novembro a 1º de dezembro. O governo chinês está fazendo um grande esforço para promover essa feira porque acredita que será uma plataforma para troca de tecnologias e experiências.

Os chineses não precisam que ninguém aponte suas fraquezas, principalmente no que se refere a peças mais avançadas tecnologicamente. "Estamos 15 anos atrasados em relação aos países desenvolvidos", afirma Zhang. "A China tem algumas vantagens no caso de peças mecânicas e eletromecânicas, mas somos muito fracos em peças eletrônicas."

Organizada pelo Ministério do Comércio, a exposição tem o apoio das principais empresas e entidades chinesas do setor, além de "co-organizadores" de peso como BMW, Bosch, DaimlerChrysler, Delphi, Denso, Ford, GM, Hyundai, PSA Peugeot Citroën, Toyota, Volkswagen e associações internacionais.

Esses grandes grupos podem ter suas críticas à atuação dos chineses, mas não se dão ao luxo de dispensar o enorme potencial de consumo do segundo maior mercado mundial de automóveis. Apesar do crescimento de 30% na demanda em 2006, a média per capita é similar ao que se via na década de 70 nos países desenvolvidos. E, lógico, os custos de produção são imbatíveis. "Para ter o mesmo lucro que consegue com um carro feito na China, a GM precisa fazer seis nos Estados Unidos", diz Zhang. Isso explica por que a China já é o terceiro maior produtor mundial de automóveis, com sérios planos de se tornar o primeiro.

E o país está, segundo Zhang, fazendo a lição de casa, com reduções "drásticas" nas tarifas de importações. E manda uma mensagem aos brasileiros sobre os benefícios da competição: "Aprendemos [com a abertura econômica] que portas fechadas restringem o desenvolvimento da indústria. Um ambiente de concorrência justa é essencial".

O repórter viajou a convite da Câmara Brasil-China e da Micro-Star International