Título: PT leva para as urnas ainda o desconforto ético
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Fonte: Valor Econômico, 30/11/2007, Opinião, p. A14

O PT mergulha neste domingo numa nova disputa interna sem que tenha conseguido se livrar dos fantasmas da crise política de 2005, que levou de roldão importantes dirigentes partidários e balançou a hegemonia do chamado Campo Majoritário (que ainda assim está tão entranhado no corpo do partido que é chamado de ex-Campo Majoritário). O Processo de Eleição Direta (PED) de 2005, ao contrário do que se previa, legitimou o poder do ex-Campo, confirmando o atual presidente, Ricardo Berzoini, até então provisoriamente no comando. Contraditoriamente, a militância que revigorou o poder do grupo hegemônico também elegeu uma direção que ainda está com os dois pés no passado.

Reportagem publicada ontem na "Folha de S. Paulo" ("Pesquisa mostra que PT não superou crise") revela pesquisa da Fundação Perseu Abramo, feita durante o 3º Congresso, realizado em setembro deste ano, onde o desconforto dos delegados petistas está materializado. Dos 942 delegados, foram ouvidos 775. Destes, 60% opinaram que o PT não superou a crise - consideram, portanto, que a postura que prevaleceu até agora, de manter intocada uma estrutura partidária sem transparência e sequer admitir discutir as razões pelas quais o partido imergiu numa crise ética, não recolocou o partido na normalidade. O mal-estar com os escândalos de financiamento de campanha que debilitaram PT e governo no primeiro mandato ainda estão presentes e comparecerão às urnas no domingo.

A cédula eleitoral para escolha do presidente repetirá a divisão que marcou o PED passado. Como em 2005, de um lado tem Berzoini representando uma corrente que já foi amplamente majoritária, mas conseguiu vencer as últimas eleições apenas no segundo turno. Do outro, uma oposição dividida, que vai da extrema esquerda até ex-aliados do ex-Campo, ainda disposta a impor o debate ético aos "companheiros". Jilmar Tatto, José Eduardo Cardoso, Valter Pomar, Markus Sokol, Gilney Viana e José Carlos Miranda são os candidatos de oposição e todos apostam num segundo turno eleitoral com Berzoini e nas chances de unidade oposicionista contra ele. Dois anos atrás a estratégia não deu certo: o candidato da situação foi eleito por pequena maioria (teve menos votos no segundo do que no primeiro turno), mas ainda assim isso foi suficiente para que prevalecesse a orientação de seu grupo, de não tocar na estrutura partidária e não apontar responsabilidades pessoais pelos erros cometidos.

Outra posição amplamente majoritária entre os delegados do PT, captada na pesquisa da Fundação Perseu Abramo, é a de que o partido deve ir para as urnas, em 2010, com candidato próprio à Presidência da República: 91% dos ouvidos deram essa opinião. Talvez por isso, se os candidatos divergem publicamente quanto ao debate ético, são absolutamente iguais quando tocam no problema da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os postulantes com mais expressão declaram-se favoráveis a uma candidatura própria, com todos os contorcionismos exigidos numa situação em que nenhum partido governista sozinho ganha a eleição e em que Lula, o grande eleitor petista, prefere um candidato de unidade do conjunto de legendas que o apóiam já no primeiro turno.

É certo, o PT ficará enfraquecido na negociação com legendas aliadas se já sentar na mesa admitindo apoiar um candidato de outro partido. Mas a postura dos candidatos à presidência do PT - e o vitorioso presidirá as negociações para as alianças de 2010 - revela também uma face intocada do petismo, que nem toda a crise interna parece ter abalado: a convicção de que tem a hegemonia no que chama "campo da esquerda", e portanto a prerrogativa de ser o cabeça de chapa para a Presidência, sempre, e a "vanguarda" das outras forças. Se o PT não mudou, todavia, a conjuntura é outra. Lula foi o candidato do PT por cinco eleições presidenciais consecutivas, tinha exposição nacional e carisma - e maiores chances de vencer que eventuais candidatos dos partidos aliados. Em 2010, o PT não tem Lula na disputa, nem qualquer outro nome com visibilidade nacional e carisma. Portanto, seu poder de barganha com candidatos a aliados é muito menor do que jamais foi no passado.