Título: O mercado de trabalho brasileiro nos últimos 25 anos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2007, Opinião, p. A15

Muito tem sido dito a respeito do crescimento da renda real das famílias brasileiras nos últimos anos, principalmente a partir de 2001. Embora isto seja verdade, vale a pena aproveitar o lançamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006 para analisar o mercado de trabalho brasileiro com uma visão de mais longo prazo, examinando os dados do mercado de trabalho nos últimos 25 anos. Ao fazermos este exercício, notamos, com certa surpresa, que todo esforço feito na última década ainda não foi suficiente para colocar-nos de volta ao patamar de 1981.

-------------------------------------------------------------------------------- A desigualdade salarial cresceu significativamente, entre 1981 e 1993, como resultado do processo inflacionário, que é forte concentrador de renda --------------------------------------------------------------------------------

Em 1981, o brasileiro típico (mediano) com mais de 25 anos de idade ganhava R$ 542 por mês no seu trabalho principal (os valores foram trazidos para 2006 utilizando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Em 1993, no auge do período inflacionário, a situação estava tão deteriorada que o salário mediano era de apenas R$ 395 (queda de 27%). Já em 2006, o salário mensal do indivíduo típico atingiu o patamar de R$ 500 por mês (aumento de 26% com relação a 1993). Assim, seu salário estava próximo, mas ainda não havia alcançado o valor vigente em 1981. Se trabalharmos com valores médios, ao invés de medianos, o salário era de R$ 996 mensais em 1981, caiu para R$ 789 em 1993 (queda de 21%) e cresceu para R$ 947 em 2006 (aumento de 20% com relação a 1993). Em resumo, é como se tivéssemos nadado para trás com tanta velocidade, entre 1981 e 1993, que o Plano Real, aliado ao impulso educacional, apenas tivesse nos trazido de volta para a linha de partida em 2006.

Mas o que aconteceu com a desigualdade de salários no mercado de trabalho nestes últimos 25 anos? Em 2006, um trabalhador no décimo percentil da distribuição de salários ganhava R$ 180 por mês. Por outro lado, um salário acima de R$ 2.000 já era suficiente para colocar o trabalhador entre os 10% com maiores rendimentos, ou seja, no topo da distribuição. Apenas 1% dos trabalhadores brasileiros recebia um salário superior a R$ 7.000 reais em 2006. A desigualdade salarial cresceu significativamente entre 1981 e 1993, como resultado do processo inflacionário, que é fortemente concentrador de renda, e declinou entre 1993 e 2001, principalmente devido à estabilização da economia, e novamente entre 2001 e 2006. Dois fatores foram os principais responsáveis pela queda da desigualdade entre 2001 e 2006: o aumento no valor real do salário mínimo; e o avanço educacional, que diminuiu o diferencial de salários entre os trabalhadores mais educados e os menos educados.

Mas o que aconteceu com os salários dos diferentes grupos educacionais neste período? A figura ao lado mostra a evolução do salário real médio dos trabalhadores menos qualificados (ensino fundamental ou menos), intermediários (ensino médio) e qualificados (ensino superior). Podemos notar que os trabalhadores dos três grupos sofreram perdas significativas entre 1981 e 1993, que foram parcialmente recuperadas entre 1993 e 2006. Mas o grupo que mais sofreu foi aquele composto de trabalhadores com ensino médio, que perdeu tanto com relação ao grupo de trabalhadores com nível superior como com relação aos trabalhadores com ensino fundamental. Isto ocorreu pela simples interação entre oferta e demanda por educação. A oferta de trabalhadores com ensino médio passou de 8% para 23% do total da população nos últimos 25 anos. Isto fez com que estes trabalhadores se tornassem relativamente abundantes no mercado de trabalho, sem que tivesse havido um crescimento das ocupações compatíveis com este nível de escolaridade neste mesmo período. Assim, o salário relativo dos trabalhadores com ensino médio caiu e sua taxa de desemprego aumentou. Mesmo assim, o salário deste grupo é em média 76% maior do que o salário dos trabalhadores com ensino fundamental, ou seja, ainda vale a pena concluir o ensino médio.

Mas a grande diferença salarial ainda está no ensino superior. As pessoas que chegam à faculdade têm em média uma remuneração 150% maior do que as que param no ensino médio (R$ 2.414 versus R$ 947 em 2006). Além disto, este diferencial vem crescendo continuamente, desde 1981 até os dias de hoje. O que mais impressiona é que este diferencial médio agrega os alunos de todas as faculdades públicas e privadas, no Brasil inteiro. O retorno para os alunos de cursos de boa qualidade é muito maior. Os dados estão nos dizendo que o mercado está precisando cada vez mais de trabalhadores com ensino superior e cada vez menos de trabalhadores que tenham apenas o ensino médio. Isto explica a proliferação do número de matrículas no ensino superior privado na última década, que passou de um milhão em 1993 para mais de três milhões em 2005. Em resumo, o mercado transmite o sinal e as pessoas reagem a ele. Ao governo cabe permitir a abertura de novas faculdades, avaliar sua qualidade e divulgá-la amplamente para a sociedade.

Naércio Menezes Filho é professor de economia do IBMEC-SP e da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil, escreve mensalmente às sextas-feiras.