Título: Não é legal enviar os contribuintes à Serasa
Autor: Santos, Carlos Renato L. A.
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Legislação, p. E2

Os nomes dos contribuintes inadimplentes com o fisco serão enviados para a Serasa. A medida - que de certa forma já vinha sendo praticada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) antes mesmo de ser regulamentada - agora será adotada como praxe nos casos de contribuintes cujos débitos não foram parcelados ou, ainda, que não estejam garantidos por penhora em execução fiscal.

A Serasa vendeu 65% do seu capital, em junho passado, ao Experian Group Limited, com sede em Dublin, na Irlanda, operações em 36 países e clientes em mais de 65 outros. Este é o maior grupo empresarial do mundo em análise de crédito. Tais créditos, todavia, não são os tributários do Estado, mas decorrentes de relações civis e comerciais, formadas por um conjunto de direitos e obrigações expressamente assentidos pelos contratantes. Assim, quando uma pessoa, física ou jurídica, assina um contrato ou emite um título de crédito, ela o faz segura de que, não cumprindo com sua obrigação, correrá o risco de ter seu nome incluído no rol de devedores da Serasa.

Já o fisco possui meios unilaterais - ou imperativos, se preferirem - de perseguir seus créditos tributários. Além disso, possui um arcabouço particular para constranger os contribuintes inadimplentes. Cite-se como exemplo a certidão negativa conjunta emitida pela Receita Federal e também pela PGFN, que deixa de ser expedida na existência de débitos, impedindo o contribuinte de participar de licitações e de obter créditos em instituições financeiras, entre outras situações. Há também a própria execução fiscal na qual o contribuinte somente pode apresentar defesa depois de suportar o pesado encargo de ter seus bens penhorados para garantir o futuro pagamento da dívida.

A nova prática de constrangimento dos contribuintes inadimplentes, além de desnecessária, poderá agravar ainda mais a situação daqueles que possuam débitos em discussão junto ao fisco, porque a relação tributária é compulsória, o que afasta do contribuinte/cidadão o direito de escolha sobre assumir as obrigações de pagamento e, conseqüentemente, o risco de ter seu nome inscrito na Serasa, no caso de seu descumprimento.

O procedimento afronta o direito constitucional à ampla defesa, na medida em que o contribuinte é taxado como pessoa não merecedora de crédito, sem ter assumido antes este risco e, ainda, antes mesmo de ter o direito de demonstrar que o fisco não possui o crédito que alega ter.

A intenção da PGFN afronta o princípio da legalidade, pois as disposições do Código Tributário Nacional (CTN) concernentes à dívida ativa - aquela proveniente do não-pagamento de crédito tributário - não prevêem em nenhum momento a possibilidade de se incluir o nome do devedor de tais créditos na Serasa ou em qualquer outro sistema privado de proteção ao crédito. Como o fisco só pode fazer ou deixar de fazer o que está previsto na lei, a inscrição na Serasa dos contribuintes será ilegal.

Apesar da impertinência da medida, a insaciável gana do fisco fará com que nomes de contribuintes sejam incluídos indevidamente na Serasa. E não há que se justificar esta medida com o alto índice de inadimplência dos contribuintes. Ainda que este fato seja realidade, para o seu combate basta que os órgãos de fiscalização e controle intensifiquem suas atuações, o que, aliás, não foge do leque de suas obrigações, no qual consta o princípio constitucional da eficiência da administração pública.

A inclusão de contribuinte nas listas da Serasa, a bem da verdade, inscreve-se como mais uma conveniência do fisco no afã de compelir o contribuinte inadimplente ao pagamento do tributo, pois, como já ressaltado, essa inclusão pode dificultar a prática de atos civis e comerciais da pessoa cujo nome foi inscrito naquele rol. Ademais, a remessa de nomes ao Serasa pode gerar danos naquelas hipóteses em que a dívida inscrita seja indevida e declarada como tal pelo Poder Judiciário. Se isto ocorrer, ao contribuinte nascerá o direito de pleitear uma indenização por danos morais por ter seu nome inscrito indevidamente na Serasa, assim como, atualmente, diversas instituições financeiras são rés em ações indenizatórias, por incluírem erroneamente o nome de pessoas que adquiram seus produtos nos órgãos de proteção ao crédito.

Outra ilegalidade que vem sendo severamente criticada - e com razão - por renomados juristas consiste na transgressão ao direito de privacidade da pessoa. O inadimplemento de obrigações tributárias está alicerçado em uma relação jurídica entre o Estado e o contribuinte, seja ele particular ou não - ultimamente, municípios vêm sofrendo dificuldades com o fisco federal. Esta relação não deve interferir em outras relações jurídicas firmadas entre o contribuinte inadimplente e outros cidadãos particulares. Daí que a divulgação para uma empresa particular - no caso, a Serasa - de um descumprimento de uma obrigação do contribuinte para com o Estado ensejará a violação de sua privacidade. Ter-se-á uma empresa particular trabalhando e divulgando dados fornecidos pelo Estado em desfavor dos contribuintes.

A partir destas considerações, podemos concluir que a adoção da medida terá conseqüências negativas para a economia e o desenvolvimento do país, já que visa, especificamente, dificultar as atividades de contribuintes inadimplentes. Este efeito além de pernicioso para a economia será também pernicioso para o fisco, já que restringir as atividades econômicas dos contribuintes em dificuldades para o pagamento de suas dívidas diminuirá as chances de recebimento. Além destas previsões negativas, podemos afirmar, igualmente, que surgirão muitas situações em que o fisco será condenado a indenizar contribuintes pelo abuso no manejo desse instrumento de proteção ao crédito, o que representará um duplo prejuízo para os contribuintes, eis que, como sempre, são eles que, no fim, pagarão a conta.

Carlos Renato Lonel Alva Santos é advogado das áreas de direito tributário e administrativo do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia

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