Título: Estados descontam consignado e não repassam a bancos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Finanças, p. C6

Leo Pinheiro/Valor Joaquim Levy diz que está fazendo o possível para reduzir os atrasos no Rio Alguns estados criaram um novo risco para as carteiras de empréstimos consignados: simplesmente descontam os recursos da folha dos servidores e não repassam o dinheiro aos bancos. A irregularidade ocorreu em Alagoas, Piauí e Rio de Janeiro, começando nos últimos meses de 2006. Agora, os estados negociam o pagamento dos atrasados com os bancos.

Alagoas está na pior situação: o último governo não repassou R$ 40 milhões em parcelas de consignado que venciam entre maio e novembro de 2006, e até agora não há uma proposta firme de renegociação. Os bancos privados suspenderam novas operações no estado, com exceção do banco Pine, que voltou a emprestar há alguns meses apesar de não ter recebido os atrasados. A dívida foi constituída durante o governo de Luís Abílio de Sousa Neto (PDT), que assumiu o estado em março de 2006, quando o então governador Ronaldo Lessa (ex-PSB, hoje no PDT) licenciou-se para sair candidato ao Senado. O atual governador, Teotônio Vilela Filho (PSDB), que foi candidato com o apoio do ex-governador, rompeu com o antecessor. O governo alagoano, com as finanças em crise, diz não ter recursos para propor agora um acordo com os bancos, mas quer negociar. As contas de 2006 ainda não foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do estado.

O Piauí é o único caso em que o governador que fez a dívida e a renegociação é o mesmo: Wellington Dias (PT). O estado deve R$ 12 milhões aos bancos, referentes aos últimos meses de 2006. O estado está pagando a sexta parcela de um acordo de 12 meses. Como o governo não fala abertamente da dívida, o Ministério Público pediu uma auditoria extraordinária na folha de pagamento, que foi recebida pelo Tribunal de Contas na semana passada.

O maior volume envolvido está no Rio de Janeiro, que repassa mensalmente quase R$ 40 milhões em parcelas de créditos consignados. O estado vem mantendo um atraso crônico das parcelas desde o governo de Rosinha Garotinho (PMDB). Quando o governador Sérgio Cabral (PMDB) assumiu, o estado contava com um atraso um pouco menor que dois meses para se financiar. Embora não haja efetivamente perdas na carteira de consignado do Rio, créditos com atraso superior a 30 dias são classificados como sendo de risco C, no mínimo, que obriga a constituição de provisão de 3% do valor total, segundo regra do Banco Central. Atraso acima de 60 dias demanda provisão de 10%.

Segundo os bancos, o Rio reduziu o atraso para 45 dias. O secretário da Fazenda do Rio, Joaquim Levy, sem falar em prazo, afirma que o estado está fazendo o possível para reduzir o atraso. A assessoria da ex-governadora Rosinha Garotinho afirmou apenas que a dívida relativa à sua administração com os bancos já está paga.

Na prática, os servidores pagam pelo fato de os estados usarem o consignado como forma irregular de financiamento público. Hoje os bancos já não consideram que todas as carteiras de consignado para servidores estaduais têm o mesmo risco, e ajustam as condições de acordo com o risco. "Isso é um risco operacional, não de crédito. Mas hoje já temos uma avaliação do risco de cada convênio de crédito consignado. Hoje já se estabelecem limites operacionais por convênio", afirma Renato Oliva, vice-presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais (ABBC), responsável pela negociação com os estados em nome dos bancos. Nos estados onde o risco é maior, os bancos acabam restringindo a oferta ou cobrando juros superiores do servidor, que não tem nada a ver com a inadimplência. O caso de Alagoas é um exemplo do corte da oferta aos servidores.

A dívida com os bancos, admitida abertamente pelo governo de Vilela em Alagoas, provoca um fogo cruzado de acusações entre todos os envolvidos. Segundo o subsecretário de Fazenda do estado, Maurício Toledo, o governo anterior deixou R$ 430 milhões em restos a pagar em dezembro. Deste valor, R$ 110 milhões seriam referentes à folha de pagamento, R$ 40 milhões ao atraso de empréstimos consignados e o restante repasses de ICMS para municípios em atraso e pagamentos ao Fundeb. Os bancos que têm mais a receber de Alagoas são o BMG (R$ 8,4 milhões), Cacique (R$ 5,7 milhões) e Pine (R$ 5,3 milhões). O Banco do Brasil conseguiu recuperar suas perdas porque tem depósitos de verbas federais para o estado. Consultados, os bancos privados preferiram não comentar o assunto.

-------------------------------------------------------------------------------- Alagoas ainda não fez proposta para pagar R$ 40 milhões; Piauí e Rio de Janeiro fizeram acordos com os bancos --------------------------------------------------------------------------------

O ex-governador Ronaldo Lessa (ex-PSB, hoje no PDT), hoje secretário-executivo no Ministério do Trabalho, diz que não tem nada a ver com a dívida, porque licenciou-se em março para concorrer ao Senado - perdeu para Fernando Collor (PTB). Também afirma que o governo de seu substituto tomava as decisões com o apoio do então candidato Teotônio Vilela Filho. O governador em exercício na época, Luís Abílio de Sousa Neto (PDT), disse que deixou de repassar os recursos do consignado por causa de dificuldades financeiras. Houve queda de receita de ICMS e redução de pagamentos pela Petrobras. O ex-secretário diz que planejava pagar o débito antes do fim do governo, vendendo créditos junto ao FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais), mas foi impedido por liminares.

Sousa Neto contesta o valor de R$ 430 milhões apresentado como restos a pagar, dizendo que os recursos para o pagamento da folha estavam depositados e que havia ativos financeiros que reduzem o total de restos a pagar para R$ 100 milhões. O ex-governador afirma que sua gestão não infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) porque manteve-se dentro dos limites legais de pagamentos atrasados. As contas de 2006 ainda não foram aprovadas pelo Tribunal de Contas. O estado tem tradição de problemas em suas finanças públicas. É o único que sofre auditoria do Tesouro Nacional para fiscalizar o pagamento de percentual da receita à União no acordo de refinanciamento de sua dívida.

Por enquanto, os bancos estão em compasso de espera. Até agora não entraram na Justiça para cobrar os débitos, porque acreditam que é mais fácil receber por via amigável do que entrar na fila judicial. "Se houver um esgotamento da negociação, certamente os bancos entrarão por via judicial, inclusive podendo alegar apropriação indébita. Mas este limite ainda não foi atingido", diz Oliva, da ABBC. "Por enquanto não estamos negociando porque o estado não tem capacidade de pagamento. Precisamos de mais tempo, não queremos fazer uma proposta que não possamos cumprir", diz o subsecretário da Fazenda de Alagoas, Maurício Toledo.

Toledo diz que o próprio governo suspendeu os empréstimos recentemente para reformular o sistema que faz as averbações na folha de pagamento. Depois da mudança, estão credenciados pelo novo sistema 13 bancos.

Mas, segundo fontes do setor bancário, o único banco privado que voltou a operar é o Pine, o que provocou irritação nos concorrentes que viam na suspensão dos empréstimos um instrumento de pressão sobre Alagoas. "Isso é péssima prática bancária, premiar um mau devedor para ganhar mercado", afirma um diretor de uma instituição concorrente. O banco preferiu não comentar o assunto por estar em período de silêncio antes da publicação de seu balanço trimestral. Algumas fontes dos bancos acham que a iniciativa do Pine levará de volta a Alagoas alguns dos grandes em consignado, só para "defender" a carteira existente.

A situação no Piauí é mais confusa. A dívida total do estado com os bancos, segundo Oliva, da ABBC, é de R$ 15 milhões, e o governo fez uma negociação para pagar em 12 parcelas. Até agora saldou 5 - algumas delas com pequeno atraso, de um ou dois dias. Mas o governo, até recentemente, não admitia a existência da dívida. O governador que iniciou a dívida, Wellington Dias (PT), se reelegeu. Consultado pelo Valor, o secretário da Fazenda do Piauí, Antônio de Souza Neto, inicialmente disse que a dívida não existia. Quando informado sobre a afirmação dos bancos, disse que conversa sobre o assunto com a ABBC, mas não publicamente porque a negociação é "sigilosa".

O assunto veio à tona porque alguns bancos enviaram nomes de servidores para o SPC. "Se isso ocorreu, foi erro operacional dos bancos, já corrigido. Sabemos que o devedor é o estado e o servidor não pode ser punido", diz Renato Oliva, da ABBC. Depois que a questão chegou ao Senado e provocou discursos de adversários do governo petista, como do senador Mão Santa (PMDB-PI), o Tribunal de Contas estadual, a pedido do Ministério Público, fez uma inspeção extraordinária na folha de pagamento do governo estadual para apurar quais convênios estavam em atraso e o valor total da dívida. Ao Valor, Souza Neto disse que só se pronunciaria sobre o assunto quando o relatório da auditoria fosse público. Ao pedir a auditoria, o procurador do estado, José Araújo Pinheiro Júnior, disse que a retenção de verbas dos servidores sem o repasse "importa não apenas em infração administrativa, mas também penal".

No Rio de Janeiro, a equipe do governador Sérgio Cabral tem reduzido aos poucos o atraso, mas os valores envolvidos são maiores. A cada mês são repassados pouco menos de R$ 40 milhões em pagamentos de consignados. O estado não tem como pagar de uma só vez duas parcelas, o que resolveria o problema, segundo o secretário Joaquim Levy. Mas já fez uma programação para reduzir o problema paulatinamente. "Estamos fazendo o possível, a confiança dos credores é essencial para minimizar o custo do crédito", diz Levy. A necessidade de provisionar pelo menos 3% da carteira no Rio eleva os custos. "Estamos confortáveis no Rio porque, apesar do atraso, sabemos que a carteira está sendo paga integralmente, mas o custo do provisionamento é alto", diz Oliva, da ABBC. "A equipe do governo do Rio é séria, estão realmente fazendo um esforço para regularizar os pagamentos", diz.

O risco dos estados que não repassam os recursos soma-se a decisões de governadores como o do Paraná, Roberto Requião, que reduziu no início do mês, por decreto, o teto dos juros do consignado, de 2,3% para 1,85%. O comprometimento máximo do salário do servidor caiu de 40% para 30%. (Colaborou Marli Lima, de Curitiba)