Título: Planejar é preciso
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2007, Eu, p. D1

Guardar dinheiro não é uma tarefa simples, mas economizar durante a aposentadoria é ainda pior. Os anos de vida a mais que a humanidade conquistou exigem somas maiores, porém, há um problema mais relevante: como investir e como gastar durante a aposentadoria?

No Brasil de 2007, este tema ganha relevância por conta da queda nas taxas de juro, que deixou muitos aposentados apreensivos. Eles viviam de uma renda segura de mais de 1% ao mês, mas agora não sabem o que fazer. Buscar investimentos de risco para aumentar o retorno pode não ser a saída. Os analistas dizem que não se pode correr grandes riscos depois de aposentado, portanto, a fatia em ações, por exemplo, tem de ser reduzida com o avanço da idade. Assim, o assunto que merece uma boa reflexão para criar uma estratégia para os investimentos e também para os resgates da aplicação no período da aposentadoria.

Roger Wright, sócio da Arsenal Investimentos, escritório de aconselhamento financeiro, diz que a partir de agora há dois caminhos para o brasileiro acostumado a viver da boa renda proporcionada para o governo: reduzir o padrão de vida ou aumentar o patrimônio. Continuar resgatando 1% ao mês das aplicações já não será mais possível, sob pena de uma drástica redução do patrimônio. "Não dá para sacar 12% num rendimento de 14% ao ano", diz Wright. "O cobertor é curto", acrescenta.

George Wachsmann, sócio da Bawn Investimentos, empresa de gestão de fortunas, diz que o erro mais comum está na largada. O investidor, diz ele, tem de pensar no resgate dos recursos na hora em que estiver traçando a estratégia de acumulação do capital. Um erro comum é superestimar o retorno. Ele conta que há casos em que os clientes querem vender os imóveis e viver da renda de 1% que vão ganhar com a aplicação. Essa já foi uma verdade. Mas hoje e, principalmente no futuro, não será mais possível para contar com a generosidade das altas taxas de juro do governo. "Não há mágicas, nem grandes contas a fazer, é simples", diz. Quando se aposentar, o investidor terá um determinado patrimônio e terá de se ajustar. A alternativa é trabalhar até mais tarde.

A novidade para o brasileiro é planejar. A situação macroeconômica do país nunca permitiu que o brasileiro criasse a cultura do planejamento financeiro e, agora, tem de aprender na marra. "É uma novidade para todos e, por isso, aos 20, ele nem pensa na aposentadoria", diz Wachsmann. Sobra, então, pouco tempo para a acumulação (em geral dos 40 aos 60 anos de idade). "Mas se ele vai viver até os 90 ou mais, na prática passará um tempo maior resgatando do que o tempo que levou para acumular, esta conta não fecha."

Nos Estados Unidos, uma fórmula de poupança e de gastos para aposentadoria comumente aceita e utilizada pelos estrategistas financeiros é a "Regra dos 4%", segundo a qual o aposentado pode consumir um valor real igual a 4% ao ano de sua poupança inicial, contanto que invista de 50% a 75% da carteira em ações.

Mas tanto ela quanto outras regras tradicionais estão sendo questionadas por reconhecidos estudiosos. O prêmio Nobel de Economia em 1990, William Sharpe, criador do índice que leva seu nome e que mede o retorno de uma carteira versus o risco a que ela está exposta, também está analisando a questão e não gosta dessas regras. Ele propôs uma nova estratégia para a gestão do risco financeiro dos aposentados batizada de "cofre compartimentado". A estratégia de Sharpe consta no estudo "Estratégias financeiras para uma aposentadoria eficiente", escrito em parceria com os pesquisadores Jason Scott e John Watson, da consultoria Financial Engines, especializada em previdência.

Pela estratégia do "cofre compartimentado", frações da riqueza são alocadas em contas virtuais ou cofres. O dinheiro de cada cofre é investido de forma independente. Ao longo do ano, o aposentado gasta só o conteúdo do cofre específico daquele ano. Cada cofre tem uma estratégia cuja eficiência depende de seu ano de vencimento.

A atenção de muitos estudiosos agora é para a fase de "desacumulação" da previdência. Há uma questão fundamental nesta equação: gastar mais no começo e reduzir os gastos ao longo dos anos ou fazer o caminho inverso? Trabalho dos pesquisadores do Federal Reserve de Chicago mostra que uma pessoa gasta 30% de seus ativos no ano anterior à sua morte. E, nos três anos antes de sua morte, a queda chega a 50%. O custo com saúde, enfermeiros, cuidados em casa, médicos etc, chegam a ter uma alta de 200% nos anos que precedem a morte. A conclusão do estudo "Right before the end: asset decumulation at the end of life" é que será necessário ter um patrimônio robusto para financiar os últimos anos de vida. "Os resultados sugerem que as pessoas devem reter seus ativos até uma idade muito avançada", diz o estudo.

Erik Hurst, professor de Economia da Graduate School of Business, da Universidade de Chicago, autor de um estudo sobre o consumo na aposentadoria, constatou que boa parte da queda nos gastos está concentrada em categorias de trabalho relacionadas, sobretudo, a transporte, vestuário e consumo de alimentos fora de casa. Com base em registros diários de monitoramento de gastos com alimentação e ingestão de nutrientes, Hurst concluiu que os aposentados gastam mais tempo em casa produzindo alimentos a um custo menor do que no trabalho. Ao mesmo tempo, o estudo mostra que há um aumento no gasto com entretenimento.

Pelo estudo de Hurst, as pessoas aposentadas comem menos fora, mas continuam a jogar golfe com a mesma freqüência. Hurst diz também que novos estudos ainda precisam ser feitos para saber se o aposentado será capaz de manter seu nível de consumo por toda a vida agora que são mais longevos.