Título: Recurso da concessão não será usado em obras
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2005, Empresas &, p. B7

Após quase um ano de análise, o governo rejeitou a proposta apresentada pelas concessionárias de ferrovias para usar, em obras de responsabilidade federal, o dinheiro pago todos os anos à União como arrendamento da malha. Só em 2004, segundo cálculos do setor, as empresas repassaram aos cofres públicos cerca de R$ 330 milhões. Desse total, 95% referem-se ao arrendamento e os demais 5% destinam-se ao pagamento das concessões, iniciadas em 1996. O arrendamento é uma espécie de aluguel pelo uso do patrimônio federal, repassado às companhias pelo período previsto nos contratos - geralmente, 30 anos. A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) levou em março do ano passado, ao governo, uma proposta para utilizar esses recursos em obras na malha. De acordo com as obrigações contratuais, as concessionárias devem investir em recuperação de trilhos e pátios, em aquisição de locomotivas e vagões. Mas a construção de novos trechos, contornos urbanos e passagens de nível continua sendo de atribuição da União. Ocorre que o governo tem orçamento limitado e, para este ano, investirá apenas R$ 110 milhões em ferrovias - ou seja, pela proposta da ANTF, a conversão do arrendamento em obras realizadas pelas próprias concessionárias aumentaria significativamente os investimentos. O governo avaliou cuidadosamente a sugestão das concessionárias e acabou descartando-a. O veto partiu da equipe econômica. Embora as fontes consultadas pelo Valor garantam que a decisão foi consensual, o próprio ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, já havia dito, em entrevistas recentes, que poderia contar com esse dinheiro para assegurar investimentos na expansão da malha ferroviária ainda em 2005. A área econômica rejeitou a proposta por três motivos: não quer abrir mão da receita fiscal gerada pelo arrendamento, acha que esse dinheiro cria uma proteção a eventuais derrotas judiciais em processos na Justiça contra a Rede Ferroviária Federal (RFFSA, em processo de liqüidação) e vê na mudança de regras uma sinalização ruim de ruptura dos contratos (embora haja, a rigor, interesse do próprio setor privado nisso). Só contra a RFFSA existem mais de 37 mil processos judiciais, segundo estimativas extra-oficiais. A ANTF ainda não foi comunicada, sequer informalmente, sobre o parecer do governo. Mas o diretor-executivo da entidade, Rodrigo Vilaça, diz que não estranha qualquer decisão nesse sentido. "Se essa notícia se confirmar, me deixa decepcionado, mas não surpreso", afirma. "O governo poderia demonstrar que há alternativas para superar os gargalos ferroviários de responsabilidade dele." As concessionárias estão investindo R$ 7 bilhões nas ferrovias entre 2004 e 2008. Elas cobram a injeção de R$ 4 bilhões, no mesmo período, em recursos da União. Isso permitiria à malha ferroviária expandir a sua participação na matriz de transportes brasileira dos atuais 24% para 30% em 2008 - sem as verbas federais, esse salto seria menor, atingindo 28%. Uma das maiores preocupações da ANTF é a invasão das faixas de domínio, ou seja, a construção de favelas ou moradias de baixíssima renda em áreas muito próximas aos trilhos, com duas implicações: baixa velocidade dos trens e, principalmente, risco de segurança aos moradores. As concessionárias pedem que a União invista R$ 670 milhões, entre 2004 e 2008, para contornar esses problemas. Além da redução de acidentes, a velocidade média dos trens em trechos críticos subiria de 5 km/h para algo entre 25 km/h e 30 km/h.