Título: PNUD quer criação de imposto sobre emissões
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Fonte: Valor Econômico, 28/11/2007, Especial, p. A16

Às voltas com o risco de uma catástrofe climática que vai prejudicar principalmente os mais pobres e as gerações futuras, o mundo tem de encontrar soluções "de mercado" para reduzir os efeitos do aquecimento global, defendeu o administrador do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Kamal Dervis, ao comentar, para o Valor, o lançamento, ontem, em Brasília, do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008. O relatório defende a criação de impostos sobre as emissões de gases causadores do efeito estufa, como o carbono.

"A criação de mecanismos de mercado, como o imposto, é melhor que a fixação de normas burocráticas, que dão margem à ineficiência e corrupção", disse Dervis. "Esse imposto não significaria aumento da carga tributária, porque sugerimos que seja compensado com a redução de outros tributos, sobre emprego e investimento." O relatório aponta problemas na administração dos atuais mecanismos de créditos de carbono, pelo qual empresas poluentes, com a compra de títulos especiais, financiam projetos de redução de emissão de gases. Esses mecanismos ainda são uma forma eficaz de reduzir o aquecimento em curto e médio prazo, mas exigem ajustes, sugere o PNUD.

O relatório aponta com veemência o que pode ser "o maior retrocesso em desenvolvimento humano" da história, provocado pela aceleração do aquecimento global. "A mudança do clima irá minar os esforços internacionais de combate à pobreza", diz o documento, que aponta riscos de estagnação e retrocesso no bem-estar mundial. As secas, inundações, doenças e queda de produtividade agrícola provocadas pelo aumento da temperatura da terra prejudicarão principalmente as 2,6 bilhões de pessoas que estão entre os 40% mais pobres da população mundial, dizem os especialistas da ONU, mas, no futuro, todo o globo será afetado.

A ONU sublinha a necessidade de urgência nas medidas, lembrando que a emissão dos gases provocadores do aquecimento no globo tem efeitos que permanecem por décadas. "A mudança perigosa do clima é a catástrofe evitável do século XXI e os seguintes", defende o relatório. Segundo mostra o relatório da ONU, os países ricos já começam a investir para minimizar os efeitos dessa mudança climática sobre suas populações, sem tomar providências contra as tragédias climáticas capazes de afetar os países pobres mais vulneráveis, no que o bispo sul-africano Desmond Tutu classifica como um "apartheid adaptativo".

Os especialistas calculam que um aumento de 2 graus Celsius na temperatura da Terra criará danos ecológicos irreversíveis e retrocesso no desenvolvimento humano e que, no ritmo atual, o mundo verá um aumento de 5 graus Celsius até 2050, o que exige medidas corretivas imediatas. Se mantida a tendência, grande parte da Amazônia se tornará savana seca, avisa o documento.

Divulgado a uma semana da conferência da ONU sobre mudança climática, a ser realizada em Bali, na Indonésia, e em pleno período de campanha presidencial nos Estados Unidos, o documento endossa a tese - defendida por países como Brasil e Índia - de que cabe aos países ricos a principal responsabilidade e os maiores custos para reduzir as ameaças do clima sobre o desenvolvimento. Como é limitada a capacidade da atmosfera e dos mares de absorver os gases que provocam o aquecimento, seria necessário ter os recursos naturais de nove planetas, caso todos os países emitissem gases-estufa nos mesmos níveis dos Estados Unidos ou Canadá, aponta o relatório, que fixa a meta de cortar em 80% as emissões de gás-estufa nos países ricos, até 2050 (30% até 2020).

O relatório sugere contribuições dos países ricos a fundos de até US$ 86 bilhões anuais para financiar medidas de mitigação dos efeitos do aquecimento global nos países pobres. Entre essas medidas estariam programas de transferência de tecnologia (baseados no exemplo bem-sucedido do Protocolo de Montreal, de 1987, que reduziu a agressão à camada de ozônio).

O documento acusa os mecanismos de créditos de carbono adotados pela União Européia de terem gerado sinais negativos de preços no setor, e proporcionado lucros bilionários a empresas químicas e de energia, sem efeitos sensíveis na redução das emissões de carbono na Europa. Se seguidas as recomendações da ONU, haveria mudanças sensíveis no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que hoje beneficia fortemente poucos países, como o Brasil e a Índia, com investimentos de crédito de carbono originários dos países ricos. Regulamentos mais rígidos sobre emissões da indústria e dos automóveis são outra medida fundamental, recomenda o PNUD.

O relatório pede medidas também dos maiores países em desenvolvimento, porém, e fixa a meta de redução das emissões nesses países, em 20% até 2050, o que, ontem, foi recebido sem críticas pelo governo brasileiro, mas já provocou acusações de injustiça por parte de autoridades indianas, que argumentaram, na imprensa internacional, ter maior dificuldade que os países ricos de atingir as metas requeridas pela ONU. (SL)