Título: Novo padrão estréia com ganhos limitados
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2007, Empresas, p. B3

Sem a prometida fábrica de semicondutores que vinha sendo alardeada como contrapartida à escolha do padrão japonês, a TV digital estréia neste domingo com ganhos praticamente limitados à melhor definição de imagem. Novidades como a recepção de canais por aparelhos de telefone celular (portabilidade) e a interatividade ficam para o ano que vem. A Acel, associação das operadoras de telefonia móvel, informou que não há equipamentos disponíveis no Brasil, por enquanto, que permitam o uso de aparelhos celulares para ver a TV digital.

Para a difusão da interatividade, uma das grandes atrações da nova tecnologia, será preciso esperar a entrada em operação do Ginga, "middleware" desenvolvido por pesquisadores brasileiros, que será a principal contribuição do país ao sistema japonês. O instituto mais avançado no desenvolvimento de um "middleware" 100% inovador, a PUC-RJ, só deve colocar o Ginga à disposição da indústria de eletrônicos entre abril e maio de 2008. "O desenvolvimento do Ginga atrasou e isso está prejudicando o início da interatividade", reconhece o professor João Antônio Zuffo, especialista no assunto e responsável pelo laboratório de sistemas integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

A maior frustração diz respeito à instalação, no Brasil, de uma planta industrial para a fabricação de chips. No ano passado, o governo colocou a fábrica de semicondutores como ponto de honra nas discussões com os japoneses. Foram concedidos incentivos tributários para atrair empresas, mas não houve demonstrações mais concretas de interesse em iniciar a produção de chips por aqui. "Não há qualquer sinal de uma fábrica de semicondutores no país", afirma um ministro do governo Lula com especial interesse no tema.

Para esse ministro, o Brasil cometeu um erro tático ao intensificar as negociações com o Japão tendo declarado publicamente, de antemão, preferência pela tecnologia nipônica. Segundo ele, as conversas mantidas até agora com indústrias japonesas não envolvem a fabricação local de chips. No acordo de cooperação tecnológica assinado entre o Brasil e o Japão, no fim do ano passado, falava-se em "esforços para acelerar o estudo sobre a possibilidade de investimento futuro na área da indústria eletrônica, incluindo a de semicondutores e indústrias relacionadas". Para o ministro ouvido pelo Valor, o compromisso é excessivamente vago e dificilmente haverá chances de atrair uma fábrica ao país.

Essa questão chegou a ser discutida também com representantes da União Européia - que acenou com uma proposta ao governo brasileiro - e com os Estados Unidos, detentores das duas outras tecnologias para TV digital.

A escolha do Brasil era vista com cobiça pelos três sistemas porque a América Latina constitui um dos últimos territórios ainda sem essa tecnologia, e havia a expectativa de que a decisão brasileira balizasse a dos países vizinhos. Argentina e Chile, por exemplo, ainda não oficializaram suas escolhas. O Uruguai acabou optando pelo europeu.

No tocante à interatividade, o professor da Politécnica explica que alguns conversores disponíveis no mercado já permitem o uso dessa tecnologia, ao carregar o "middleware" adotado em outros países. Para isso, no entanto, pagam-se royalties em torno de US$ 2 por aparelho. O Ginga permitirá uma economia no pagamento de royalties e representa uma importante inovação, afirma Zuffo. "Há sistemas alternativas que podem e estão sendo utilizados neste início da TV digital", explica o professor. "Mas, para haver interatividade, isso depende agora das emissoras."

Espera-se que, em meados de 2008, a interatividade comece a se espalhar. Com a disseminação do Ginga, as indústrias devem optar pelo "middleware" brasileiro e as emissoras tendem a explorar mais essa nova possibilidade na relação com seus espectadores. A interatividade permite, por exemplo, que o usuário peça informações complementares sobre um time de futebol no meio da transmissão de uma partida ou compre uma roupa que tenha gostado na novela das oito.

Uma das incógnitas é sobre a chegada da portabilidade. Hoje não há aparelhos de celular capazes de receber as transmissões digitais. Não é um problema de faixa de freqüência, conforme explicaram especialistas, mas de tecnologia. Duas grandes operadoras de telefonia consultadas pelo Valor - que pediram para não ter seus nomes citados - disseram que as modificações feitas no padrão "nipo-brasileiro" impedem, inclusive, que um celular recém-comprado no Japão (onde a portabilidade já funciona) seja utilizado para assistir à TV digital no Brasil. Na televisão brasileira, o sistema japonês ISDB ganhou aperfeiçoamentos como o MPEG IV (tecnologia desenvolvida no exterior), que permite uma compressão maior das transmissões de áudio, além do próprio Ginga.

Para ler os sinais digitais transmitidos pelas emissoras e mostrá-los em suas telas, os telefones celulares precisam de uma nova interface. A expectativa do governo é que, a partir de 2008, com a disseminação da TV digital, os novos aparelhos fabricados pela indústria de eletrônicos embutam os equipamentos necessários para permitir a portabilidade.