Título: Tabela muda junto com as coleções
Autor: Lamucci, Sergio ; Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Brasil, p. A7

Emiliano Capozoli/Valor Paulo Grings, diretor da Piccadilly, sobre o momento de repassar custos: reajustar um mesmo tipo de produto no mercado interno ou externo é "impossível" Pressionadas pelos efeitos da desvalorização do dólar sobre as exportações, as indústrias calçadistas estão acelerando o lançamento de novos modelos e coleções para conseguir reajustar as tabelas de preços e recompor as margens das operações. A mesma estratégia está sendo aplicada nas vendas no mercado interno, onde a inflação no segmento calçados e acessórios, medida pelo IPCA, alcançou 4,81% até outubro. Mas, de acordo com as empresas, o objetivo desses realinhamentos é repassar os aumentos dos custos de produção e não compensar perdas de rentabilidade no exterior.

"Não existe tentativa de substituir rentabilidade do mercado externo pelo mercado interno", afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Valter Pieracciani. De janeiro a outubro o preço médio dos calçados exportados pelo país cresceu 4,2% em comparação com igual período do ano passado, para US$ 10,80 o par. A alta compensou a queda de 1,6% no volume embarcado, para 149,1 milhões de pares, e permitiu uma expansão de 2,6% na receita em dólares, para US$ 1,61 bilhão.

Segundo Paulo Grings, diretor da Calçados Piccadilly, que produz sapatos, sapatilhas, sandálias, tamancos e chinelos femininos em poliuretano, é "impossível" reajustar um mesmo tipo de produto no mercado interno ou no externo. Mas com os novos lançamentos, ele conseguiu elevar em 20% os preços médios dos calçados exportados de janeiro a outubro para compensar parcialmente a valorização do real, de cerca de 22,6% . Com isso, o preço médio geral dos produtos ficou relativamente estável, na faixa de R$ 24 o par.

Mesmo com os aumentos, as vendas externas da Piccadilly para 62 países vão crescer 14,3% neste ano em comparação com 2006, para 2,4 milhões de pares. A produção total deve chegar aos 8,2 milhões de pares, ante 7 milhões em 2006, enquanto o faturamento bruto previsto é de cerca de R$ 200 milhões, 17,6% acima dos R$ 170 milhões do ano passado.

Segundo Maria Lucrecia Calandro, da Fundação de Economia e Estatística (FEE) do Estado, um limitador dos reajustes no mercado interno é a alta das importações nos segmentos mais baratos. O volume ainda é pequeno ante a demanda interna de pouco mais de 600 milhões de pares/ano, mas de janeiro a outubro, segundo a Abicalçados, a entrada de produtos estrangeiros subiu 50% em volume, para 22,7 milhões de pares (84% provenientes da China), e 59,9% em valor, para US$ 175,4 milhões.

Na Calçados Bibi, especializada em produtos infantis de couro, a necessidade de recomposição contínua de margens nas exportações, que absorvem 30% da produção, leva a uma renovação cada vez mais acelerada dos modelos, explica o diretor administrativo e financeiro, Rosnei Alfredo da Silva. Além das duas grandes coleções por ano, a empresa apresenta novos modelos ou pelo menos novas variações de estilo todos os meses aos clientes, diz o executivo.

Segundo o diretor, os preços das matérias-primas estão razoavelmente estáveis, e as maiores pressões de custos vêm dos preços administrados -energia e telecomunicações -, e, em menor escala, da mão-de-obra. A capacidade de repassar aumentos é mais limitada no mercado interno, onde a maior parte dos clientes é formada por pequenos lojistas, que não suportam reajustes. Com novos lançamentos e produtos de maior valor agregado, a empresa estima crescimento de 6,2% a 10,6% no faturamento do ano, ante R$ 113 milhões em 2006, ao mesmo tempo em que a produção deve cair de 3,5 milhões para 3,4 milhões de pares.

A Grendene, que fabrica calçados em plástico injetado, conseguiu aplicar aumento maior nos preços médios no mercado interno do que no externo nos nove primeiros meses em comparação com igual período de 2006. Foram 7,2% e 2,6% (em reais), respectivamente, frente à elevação de 5,6% nos custos de produção. Segundo o diretor de relações com investidores, Francisco Velo Schmitt, a tendência é de ligeira redução nos preços médios no quarto trimestre, devido à maior demanda por produtos de verão, mais baratos.

No total, a Grendene vendeu 94,7 milhões de pares de janeiro a setembro, 5,4% a mais do que no mesmo período de 2006, sendo 67,6 milhões no mercado interno (alta de 0,6%) e 27,1 milhões no exterior (mais 19,5%). A receita bruta subiu 9,9%, para R$ 998,9 milhões, com expansão de 7,8% no mercado doméstico, para R$ 840,5 milhões, e de 22,6% (em reais) nas exportações, para R$ 158,4 milhões.